
O colapso ambiental como negócio: pré-venda de Colonialismo verde
A Elefante está lançando Colonialismo verde, v. 1, Geopolítica e transições ecossociais, em organização de Miriam Lang, Breno Bringel e Mary Ann Manahan; e Colonialismo verde, v. 2, Justiça energética e climática nos países árabes, em organização de Hamza Hamouchene e Katie Sandwell. Os livros estão em pré-venda no nosso site.
Os dois volumes somam mais de 30 artigos que aprofundam as críticas aos contextos materiais e também simbólicos dessa grande onda global de busca por alternativas. Se o planeta carece de ações para que continue habitável, os agentes seguem reproduzindo relações desiguais e opressoras, seja diante da América do Sul, da África ou da Palestina. Então há um claro caráter colonial diante do pensamento socioambiental, à medida que o colapso climático é também uma oportunidade de negócio transnacional — afinal é o capitalismo (“verde”, mas é) extraindo recursos do Sul Global.
A previsão é de lançamento no Brasil em novembro, com a presença de alguns autores, quando acontece a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, a COP30, marcada para Belém, no Pará.
“A grande questão que o pensamento socioambiental crítico enfrenta atualmente é se a transição para um mundo pós-carbono pode ocorrer sem uma reforma radical do sistema de produção global. A resposta oferecida por essa coleção de análises impecavelmente documentadas e bem argumentadas é um retumbante “não”: um mundo pós-carbono precisa ser um mundo pós-capitalista” — Walden Bello, ativista e acadêmico filipino.
“Esse livro demonstra que a crise climática — bem como as principais medidas implementadas para enfrentá-la — está se desenrolando dentro dos limites do velho jogo colonial. É hora de encarar essa realidade e respondê-la com uma luta climática anticolonial” — Jason Hickel, antropólogo e professor britânico.
Segue o início da introdução do v. 1, de autoria do trio de organizadores:
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Transições lucrativas, colonialismo verde e caminhos para a justiça ecossocial:
Os desafios enfrentados pelas sociedades humanas estão se tornando mais complexos num ritmo de tirar o fôlego. Nos últimos anos, vários desastres relacionados ao aquecimento global, à pandemia, à guerra na Ucrânia e ao genocídio na Palestina complicaram ainda mais um panorama já tensionado pelas disputas entre as potências geopolíticas. Os cientistas desenvolveram uma grande capacidade de detectar e avaliar esses desafios, de modelar e prever o futuro, por exemplo, em cenários de aquecimento global e extinção de espécies. Eles nos fornecem informações mais detalhadas doque nunca. No entanto, apesar de sabermos mais, ainda faltam respostas adequadas à altura da gravidade da situação. De acordo coma ciência, estamos ultrapassando todos os limites planetários e os prazos para lidar com o colapso ecológico estão diminuindo, mas as emissões de gases de efeito estufa seguem aumentando após décadas de esforços multilaterais. A recíproca é verdadeira para a poluição e a acidificação dos oceanos, a extinção de espécies, a perda de água doce e fertilidade do solo. Todos os indicadores de destruição ambiental têm piorado, e parecemos condenados a expandir ainda mais nosso metabolismo social num planeta limitado.
Os instrumentos que as sociedades humanas desenvolveram para enfrentar esses desafios no Antropoceno são insuficientes e são desafiados pela atual policrise, ou seja, uma série de crises interligadas que se reforçam mutuamente. As instituições da democracia liberal têm enfrentado uma crescente perda de credibilidade, enquanto em muitas partes do mundo são desmanteladas a partir de dentro por forças autoritárias. Em termos de distribuição de riqueza, nosso mundo nunca foi tão desigual como hoje, mas, a despeito de algumas iniciativas interessantes para taxar os super-ricos, ainda não encontramos meios de limitar as fortunas e a influência de um pequeno grupo de pessoas e corporações transnacionais.
Tudo isso tem efeitos graves nas decisões que tomamos a cerca de nossas relações com a natureza e de seus resultados. As atuais políticas ambientais são marcadas por duas características: em primeiro lugar, não se concentram na preservação de ecossistemas complexos, mas na acumulação de capital. Em segundo, possuem uma natureza colonial, ou seja, presumem que algumas regiões, corpos e populações precisam estar a serviço de outras quando se trata das condições ambientais para uma vida digna. A seguir, aprofundamos os dois argumentos que compõem o cerne deste livro.
Consenso da Descarbonização e rentabilidade no centro da política ambiental | A governança ambiental e climática não ficou de fora da imposição do neoliberalismo em todas as dimensões da vida após os anos 1980. Como Laval e Dardot (2017) têm apontado, a razão neoliberal não se contenta em eliminar os limites aos negócios em nome da liberdade, mas visa estender a própria lógica empresarial e seu modo de atuação muito além da esfera do mercado, a todos os setores da sociedade e até mesmo às subjetividades — colocando o Estado no papel de principal alavanca dessa expansão. A razão neoliberal pretende remodelar os limites de aceitabilidade das propostas políticas, e até mesmo sua concepção, e foi tão bem-sucedida que se tornou hegemônica.
Foi assim que a rentabilidade passou a ocupar o centro da política ambiental. Pouco depois de movimentos ambientais e relatórios acadêmicos como Os limites do crescimento (Meadowsetal., 1972 [1978]) — nascidos da preocupação com as óbvias consequências das décadas douradas do fordismo para o meio ambiente e a saúde humana — terem impulsionado um sistema relativa-mente eficaz de regras, limites, ações judiciais e sanções contra os poluidores — pelo menos no Norte Global —, esse sistema foi substituído por mecanismos de mercado, que todos os atores adotariam “voluntariamente”, simplesmente por serem lucrativos (Klein, 2014). Desde o Protocolo de Quioto, em 1997, prevalecem as compensações de carbono, os mecanismos de desenvolvimento limpo e um conjunto de incentivos de mercado que mudaram de nome, mas não de lógica.
A proteção de nosso habitat se tornou objeto de negócios especulativos que acabam financeirizando a natureza. Muitas vezes, eles apenas simulam uma redução nas emissões de gases do efeito estufa, supondo que alguém teria, de outra forma, desmatado uma floresta, por exemplo, se não tivesse fechado uma cordo de compensação de carbono. Ao mesmo tempo, a linguagem das mudanças climáticas ficou tão complicada que efetivamente excluiu boa parte da cidadania e diversos atores sociais, tornando a poluição um tema para especialistas. Atualmente, o discurso climático dominante encena uma gigantesca simulação, na qual “sumidouros” de um lado do planeta supostamente absorvem certo volume de toneladas de CO₂ emitidas do outro lado, como se esses “sumidouros” não absorvessem carbono de qualquer maneira, e como se essas toneladas de CO₂ não aumentassem a poluição em termos absolutos. Diante dessas tendências, surgiu nos últimos anos um novo acordo global, comprometido em reduzir as emissões de carbono pelo sistema energético baseado em combustíveis fósseis através da adoção de energias “renováveis”. Seu leitmotiv é combater o aquecimento global e a crise climática, promovendo uma transição energética impulsionada pela eletrificação do consumo e pela digitalização. No entanto, em vez de proteger o planeta, contribui para sua destruição, aprofunda as desigualdades existentes, exacerba a exploração dos recursos naturais e perpetua o modelo de mercantilização da natureza.
Breno Bringel e Maristella Svampa (2023) definem esse processo como o “Consenso da Descarbonização”. Por um lado, sugere-se que tudo pode continuar como antes se substituirmos os combustíveis fósseis por renováveis. Por outro, insiste-se na centralidade do crescimento econômico para a organização de nossas economias e sociedades, crescimento que agora seria simplesmente “verde”. Além disso, o Consenso da Descarbonização limita o horizonte da luta contra as mudanças climáticas ao que a ativista e pesquisadora brasileira Camila Moreno define como “medições de carbono” (Moreno, Speich & Fuhr, 2015): uma forma limitada e deficiente de quantificar esse elemento, baseada apenas nas moléculas de CO₂, que proporciona uma espécie de moeda de troca internacional e cria a ilusão de que algo está sendo feito contra a degradação ambiental.
Essa métrica reduz a deterioração e o colapso da teia biológica da Terra, extremamente complexa, a uma única cifra, compatível com a contabilidade capitalista: toneladas de CO₂, como se essa medida pudesse fornecer informações confiáveis sobre as diversas camadas dos danos causados ao nosso habitat pelo modo de vida hegemônico e suas linhas de interconexão. Assim, escondem-se os problemas subjacentes e defendem-se explicitamente os “negócios verdes”, as “soluções baseadas na natureza”, a “mineração climaticamente inteligente” e os “mercados de carbono”, entre várias modalidades de investimento especulativo. Embora a gravidade da emergência climática seja reconhecida em princípio, essas políticas não apenas são inadequadas, elas também geram consequências muito graves.
Nos últimos anos, todas as grandes potências mundiais (União Europeia, Estados Unidos e China) se comprometeram a reduziras emissões de carbono e direcionar suas economias para modos de produção de baixo carbono e descarbonizados, ao mesmo tempo que visam novas oportunidades de crescimento “verde”. Mas esse Consenso da Descarbonização é forjado pelo colonialismo verde, pois mobiliza tanto práticas quanto imaginários neocoloniais. Uma reviravolta na retórica da “sustentabilidade” abriu uma nova fase de expropriação ambiental do Sul Global, que afeta a vida de milhões de seres humanos e não humanos e compromete ainda mais a biodiversidade, destruindo ecossistemas estratégicos.
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