‘O que aconteceu quando comi alimentos ultraprocessados durante um mês’
Publicado em BBC
Tradução: Beatriz Macruz
Neste artigo, Chris van Tulleken comenta algumas das suas percepções e achados durante o experimento alimentar que realizou consigo mesmo — e que resultou no livro Gente ultraprocessada, um dos lançamentos da Elefante em setembro.
Mais da metade da energia dos alimentos consumidos no Reino Unido é proveniente de produtos ultraprocessados. Há preocupações de que esses alimentos levem as pessoas a comer mais e a engordar. Estima-se que um em cada quatro adultos britânicos seja obeso, assim como uma em cada cinco crianças de 10 a 11 anos.
“Eu queria descobrir o efeito que uma dieta rica em alimentos ultraprocessados teria sobre mim”, diz Chris van Tulleken, que aceitou o desafio, em parte, para o documentário da BBC What are we Feeding our Kids? [Com que estamos alimentando nossos filhos?].
Há poucas pesquisas sobre como os alimentos ultraprocessados interagem com nosso corpo, especialmente entre crianças e adolescentes, cuja média de ingestão de alimentos deste tipo é maior do que a dos adultos.
Para o experimento, Chris aumentou sua ingestão habitual de 30% de alimentos ultraprocessados para 80% durante quatro semanas. “Parece extremo, mas é a dieta que uma em cada cinco pessoas no Reino Unido segue”, diz.
‘Me senti dez anos mais velho’
Ao final do mês, Chris relatou má qualidade de sono, queimação no coração, sentimentos de infelicidade, ansiedade, lentidão e baixa libido. Ele também tinha hemorroidas devido à prisão de ventre. “Eu me senti dez anos mais velho”, reconhece, mas “não percebi que era tudo [por causa] da comida até que parei de fazer a dieta.”
Chris ganhou quase 7 kg em quatro semanas e passou de um peso saudável para o sobrepeso. “Se o ganho de peso continuasse nesse ritmo por seis meses, eu teria engordado ainda mais”, prevê. E não parou por aí.
Exames da atividade cerebral mostraram que as áreas do cérebro de Chris responsáveis pela recompensa se ligaram às áreas que impulsionam o comportamento repetitivo e automático. “Comer alimentos ultraprocessados tornou-se algo que meu cérebro simplesmente me manda fazer, sem que eu sequer queira.”
De acordo com Van Tulleken, essa é uma resposta cerebral semelhante à ingestão de substâncias que consideramos classicamente viciantes, como cigarros, álcool e drogas. As mudanças na atividade cerebral não foram permanentes, mas, “se os ultraprocessados podem fazer isso em quatro semanas com meu cérebro de 42 anos, o que está fazendo com os frágeis cérebros em desenvolvimento de nossas crianças?”.
Não sabemos exatamente por que os alimentos ultraprocessados têm esses efeitos, mas Chris relata que a maioria das hipóteses considera que se trata de uma combinação dos métodos de processamento e de sua composição artificial de nutrientes.
Impacto sobre o quanto comemos
Chris conversou com Kevin Hall, pesquisador sênior do National Institute of Health, para o documentário. Em sua pesquisa, Hall testou duas dietas que eram iguais em termos de teor de gordura, açúcar, sal e fibras, mas uma era composta de alimentos não processados e a outra de cerca de 80% de alimentos ultraprocessados. Os participantes puderam comer os alimentos oferecidos à vontade.
O estudo constatou que “as pessoas que seguiram a dieta ultraprocessada acabaram ingerindo 500 calorias a mais por dia [e] ganharam quase um quilo de peso corporal em duas semanas”, diz Hall.
Os exames de sangue mostraram um aumento no hormônio responsável pela fome e uma diminuição no hormônio que nos faz sentir saciados entre os participantes que consumiram a dieta rica em alimentos ultraprocessados. Esses resultados foram consistentes com a experiência de Chris — seu hormônio da fome aumentou em 30% durante o experimento, o que pode ter incentivado o consumo excessivo.
Hall também descobriu que os participantes da dieta ultraprocessada comiam muito mais rapidamente do que os da dieta minimamente processada, o que pode ter contribuído para o consumo de mais calorias. Chris também passou por isso, pois muitos dos “alimentos são muito fáceis de mastigar e engolir”. Estudos anteriores sugerem que comer devagar diminui a fome.
‘É muito difícil parar de comer’
“Eu sentia ansiedade por comida com muito mais frequência”, diz Chris. Pesquisas anteriores descobriram que alguns alimentos, incluindo pizzas ultraprocessadas, chocolate, batatas fritas e bolos, podem provocar desejos, perda de controle e incapacidade de cortar o consumo.
Há evidências de que alimentos ricos em carboidratos e gordura (como muitos alimentos ultraprocessados) podem acionar os centros do cérebro responsáveis pela recompensa, emoção e motivação. Um estudo de imagens cerebrais sugere que quanto maior a frequência com que você sente a recompensa dos alimentos, mais você precisa consumir para manter o mesmo prazer.
Muitos alimentos ultraprocessados passaram por muitos testes para se tornarem “perfeitos”. O sabor, o nível de salinidade, a sensação na boca, a mastigação e até mesmo o som que fazem quando ingeridos podem ter sido ajustados. “Não acho que ninguém em nenhuma empresa de alimentos tenha se proposto a fazer com que as pessoas ganhassem peso”, diz Chris, acrescentando que se trata de um “efeito colateral dos alimentos realmente deliciosos e que é muito difícil parar de comê-los”.
Devemos evitar todos os alimentos ultraprocessados?
Os alimentos podem ser categorizados como minimamente ou não processados (por exemplo, tomates), processados (tomates enlatados) e ultraprocessados (molho de tomate para macarrão comprado em loja). Alguns alimentos ultraprocessados são mais saudáveis do que outros — cereais matinais integrais, pão integral fatiado, feijões cozidos em lata e bebidas à base de soja ou vegetais sem açúcar são todos ultraprocessados, mas têm benefícios nutricionais. Assim como molhos prontos para massas, refeições prontas, pastas e carnes fatiadas podem ser saudáveis.
Alguns alimentos pré-preparados não são ultraprocessados, mas aqueles que incluem aditivos e produtos químicos não utilizados na culinária caseira provavelmente são. A disponibilidade, a conveniência e o marketing dos alimentos ultraprocessados faz com que seja “quase impossível” restringir a sua circulação, diz Chris.
Embora uma dieta rica em alimentos ultraprocessados não seja recomendada, é improvável que o consumo ocasional desses alimentos cause riscos à saúde, de acordo com a nutricionista Ro Huntriss. “Ter uma dieta saudável tem tudo a ver com equilíbrio.”