O trabalho invisível e não remunerado das mulheres

Por Teresa Cristina

 

Quase 4 milhões de jovens e adultos no Brasil refletiram nesse final de semana sobre um assunto urgente: o trabalho invisível — e não remunerado — do cuidado, designado pelo capital às mulheres. Isso porque o acertado tema da redação do Enem 2023 foi “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”.

Quem lê Elefante se deu bem na prova, já que o tema é tratado em profundidade em três obras publicadas por nós: O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista, de Silvia Federici, Quem vai fazer essa comida? Mulheres, trabalho doméstico e alimentação saudável, da Bela Gil, e Teoria da reprodução social: remapear a classe, recentralizar a opressão, organizado por Tithi Bhattacharya.

Na última obra, a filósofa Nancy Fraser explica, por exemplo, que a atividade social reprodutiva não remunerada, isto é, as tarefas domésticas, a educação dos filhos, a escolaridade, os cuidados afetivos e uma série de outras atividades que servem para produzir novas gerações de trabalhadores e substituir os existentes, é indispensável, pois sem ela nenhuma outra atividade de produção econômica — e o próprio capitalismo em si — é possível.

Bela Gil define o trabalho do cuidado como tudo que é feito para suprir as necessidades humanas universais, sem as quais a nossa sociedade e a economia mundial não podem funcionar. “As crianças não se tornarão adultos saudáveis e felizes (e economicamente produtivos) se não forem cuidadas desde o momento em que chegam ao mundo. Os doentes não vão melhorar e se recuperar se não forem cuidados por outros. Sem cuidado, as pessoas com deficiência e os idosos não poderão viver uma vida digna. E todo mundo precisa comer algumas vezes ao dia e ter a casa e as roupas limpas”, diz. E por aí vai.

Mesmo as mulheres que exercem algum trabalho remunerado gastam 6 horas e 48 minutos a mais por semana do que homens em afazeres domésticos e/ou de cuidados, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) sobre Outras Formas de Trabalho, de 2022.

Segundo Silvia Federici (que estará em Paraty, São Paulo e Sorocaba entre o fim de novembro e o começo de dezembro), essas atividades não só tem sido impostas às mulheres como também foram transformadas em um “atributo natural da psique e da personalidade femininas, uma necessidade interna, uma aspiração, supostamente vinda das profundezas da nossa natureza feminina”.

Ela pontua que, não sendo reconhecido enquanto trabalho e colocado como algo inerente ao gênero feminino, o capital se livra da necessidade de remuneração e confina as mulheres ao trabalho reprodutivo — no sentido de garantir a reprodução do sistema. Sob o pretexto do “amor” se gerou, então, um trabalho que, apesar de essencial, é desvalorizado, não remunerado, sem horário nem aposentadoria.

Quando adicionamos à analise fatores como raça e classe, a distribuição do trabalho do cuidado, remunerado ou não, torna-se ainda mais desigual. No quesito da terceirização, Bela Gil aponta que “frequentemente são as mulheres pobres, negras ou migrantes que cuidam daqueles que têm poder e meios para serem cuidados sem ter a necessidade de cuidar”. E é por esses e outros motivos que a luta pelo salário para o trabalho doméstico e do cuidado é uma perspectiva política e revolucionária.

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