O uso de IA por Israel em Gaza: um modelo assustador que está chegando até você

Por Antony Loewenstein
Publicado em Middle East Eye

 

Israel não poderia lutar suas guerras de conquista sem o apoio, o armamento e o financiamento de uma série de atores estrangeiros.

Desde Washington e Berlim, que enviaram bilhões de dólares em armas para Tel Aviv a partir de 7 de outubro de 2023, até o apoio diplomático nas Nações Unidas, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu desfrutou de um nível inigualável de endosso durante a sua missão de aniquilação em Gaza e além.

A extensão dos interesses corporativos por trás da máquina de guerra israelense é imensa. Precisamos compreendê-la.

Embora seja amplamente conhecido que inúmeras empresas israelenses de defesa e vigilância são parte integrante das forças armadas do país, desde a Elbit Systems até a Israel Aerospace Industries, menos pessoas sabem que algumas das maiores empresas de tecnologia do mundo — incluindo Google, Microsoft e Amazon — estão profundamente envolvidas com o exército israelense.

Em uma investigação recente, o Washington Post revelou que o Google “correu para vender” ferramentas de inteligência artificial (IA) para Israel logo após o ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023. A pressa se explicava pelo temor do Google de perder negócios lucrativos com Tel Aviv para sua rival, a Amazon.

Embora o Washington Post não tenha confirmado como Israel estava usando essas ferramentas, está claro que Israel utilizou IA aprimorada em sua campanha de assassinatos em massa em Gaza nos últimos quinze meses.

Outro artigo, desta vez publicado pela +972 Magazine, detalha a ampla colaboração entre a Microsoft e os militares israelenses, tanto antes quanto depois de 7 de outubro de 2023. A reportagem descreve como os serviços de nuvem da empresa foram usados por unidades das forças navais, terrestres e aéreas de Israel, juntamente com o ramo de coleta de informações, a Unidade 8200 — tudo isso enquanto Israel cometia genocídio e crimes de guerra em uma escala sem precedentes.

 

Banco de dados massivo

 

A Amazon e o Google estabeleceram o Projeto Nimbus com Israel para auxiliar vários ramos de seu governo, incluindo os militares, em um acordo de 2021 que teve a oposição pública e privada de muitos funcionários — mas o projeto continua até hoje, sem transparência ou atribuição de responsabilidade.

Esses gigantes corporativos estão armazenando enormes quantidades de informações sobre todos os aspectos da vida palestina em Gaza, na Cisjordânia ocupada e em outros lugares.

A forma como esses dados serão usados, em um período de guerra e vigilância em massa, é óbvia. Israel está construindo um enorme banco de dados, no estilo do Estado chinês, sobre todos os palestinos sob ocupação: o que fazem, aonde vão, com quem se encontram, do que gostam, o que querem, o que temem e o que publicam on-line.

Não é um sistema perfeito, e há maneiras de desafiá-lo, mas inúmeros palestinos me dizem que esse panóptico tem o efeito desejado por Israel, restringindo a liberdade de expressão e de movimento.

Nada disso significa que a resistência palestina à ocupação israelense não continuará. Na verdade, ela provavelmente aumentará à medida que a repressão se aprofundar com o apoio do presidente estadunidense Donald Trump. Israel forneceu um modelo em Gaza de como obliterar uma sociedade sem consequências sérias (ainda), empregando as armas mais sofisticadas do planeta para fazer isso

Google, Microsoft e Amazon não responderam a perguntas de jornalistas sobre esse assunto nos últimos anos porque são cúmplices dos planos secretos e mortais de Israel. Esse silêncio se deve às reações legais ou políticas que certamente enfrentarão se admitissem sua associação com o genocídio em curso. Os civis palestinos são apenas pontos de dados para um Estado que os vê como alvos de desumanização ou morte.

As grandes empresas de tecnologia ficam felizes em ajudar, tanto pelo desejo de ganhar dinheiro quanto pelas afinidades ideológicas com a causa de Israel.

O segundo motivo talvez seja o mais preocupante, com ramificações de longo alcance. Durante a pesquisa para meu livro, podcast e novo filme com a Al Jazeera, Laboratório Palestina, descobri que o complexo militar-industrial de Israel enxerga os territórios ocupados da Palestina como um campo de testes vital para suas tecnologias de assassinato e vigilância.

Os palestinos são cobaias da aplicação de uma ideologia e de equipamentos que não se restringem à Palestina. O Vale do Silício tomou nota, e a nova era Trump está anunciando uma aliança cada vez mais estreita entre as grandes empresas de tecnologia, Israel e o setor de defesa. Há muito dinheiro em jogo, já que a IA atualmente opera em uma zona livre de regulamentações em todo o mundo.

 

Visando dissidentes

 

“Os judeus israelenses são pessoas”, disse Noam Chomsky em 2011, em uma de suas críticas a Israel. “Os palestinos não são pessoas.” Nada mudou nos anos que se seguiram. A IA é apenas a tecnologia mais recente, embora muito poderosa, que dará continuidade a essa desumanização, com eficiência mais brutal.

Isso não vai se limitar aos palestinos. Nunca se limitou a eles.

Os números de refugiados, pessoas deslocadas, migrantes e vítimas das mudanças climáticas em todo o planeta alcançam níveis recordes, estimados em mais de 120 milhões. Esse é um vasto grupo de gente que “precisa” ser vigiadas, controlada e mortas, caso sua presença ou seus desejos políticos forem considerados indesejáveis pelos detentores do poder.

Minhas fontes me disseram que muitas nações estão olhando para Israel e para o uso que Tel Aviv tem feito da IA em Gaza com admiração e inveja. Espere ver em breve uma forma de IA apoiada pelo Google, pela Microsoft e pela Amazon em outras zonas de guerra — provavelmente, em um país perto do seu.

Pense em quantos outros Estados, tanto democráticos quanto ditatoriais, adorariam ter informações tão abrangentes sobre cada um de seus cidadãos, o que tornaria muito mais fácil atacar críticos, dissidentes e oponentes. Com a extrema direita em marcha em todo o mundo, o modelo etnonacionalista de Israel é visto como atraente e digno de ser imitado.

A tecnologia de vigilância de Israel nas mãos de tais pessoas deveria aterrorizar a todos nós.

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