
Pappe: ‘Palestinos pagam preço do antissemitismo europeu’
Em passagem pelo Brasil para participar de eventos em Paraty e São Paulo, Ilan Pappe, de Brevíssima história do conflito Israel-Palestina e A maior prisão do mundo, realizou uma série de conversas com jornalistas — além de ser alvo do lobby sionista que tentou impedir ou cancelar suas falas públicas. Aqui, temos uma seção com essas matérias e entrevistas em nosso site. Segue abaixo uma reportagem da revista Quatro Cinco Um a partir da mesa que Pappe participou na Flip (1/ago).
Por Iara Biderman
Publicado na Quatro Cinco Um
A fila para entrar na tenda principal da Flip foi demorada e tensa, com público e imprensa tendo que passar por detectores de metais. O autor convidado, o historiador israelense Ilan Pappe, veio falar da questão Palestina e do atual genocídio da população na Faixa de Gaza — que, para ele, é parte de um projeto de limpeza étnica que remonta à própria criação do Estado de Israel.
Na apresentação da mesa, denominada “Breve história do longo conflito”, a curadora da Flip 2025, Ana Lima Cecilio, falou sobre a decisão de realizar o encontro não literário como algo imperativo quando o mundo “assiste um território ser dizimado por uma política de Estado”.
Pappe é autor de diversos livros sobre o assunto, como os recentes A maior prisão do mundo: uma história dos territórios ocupados por Israel na Palestina e Brevíssima história do conflito Israel-Palestina, ambos lançados este ano pela Elefante com tradução de Alexandre Barbosa de Souza. Ao agradecer o convite para falar “de maneira livre e democrática” na festa literária, ele contou ter havido pressão para impedir sua vinda a Paraty.
A pedido da mediadora, a historiadora Arlene Clemesha, Pappe resumiu sua trajetória como uma jornada moral. Nascido em Haifa em 1954, pouco tempo depois da criação do Estado de Israel, em 1948, ele contou ter tido uma infância convencional israelense e que, até se interessar pela história como profissão, acreditava na narrativa oficial sobre a realidade do país.
“Tudo que descobri nas minhas pesquisas [como historiador] contradizia o que tinha tinha aprendido na escola, na universidade, o que ouvia dos meus pais”, disse.
Ao sair de Israel para estudar, continuou Pappe, ele começou a ver tudo de outra maneira e teve de tomar uma decisão: perder o contato com amigos, familiares e a comunidade acadêmica ou ceder à pressão oficial e só falar o que queriam ouvir, contou. “Decidi continuar com minha verdade sabendo o preço”, afirmou o historiador, que foi expulso da Universidade de Haifa em 2007, recebeu ameaças de morte e teve que se mudar para a Inglaterra, onde reside e leciona até hoje.
Projeto antissemita
Outro lado da questão, explicou Pappe, é o sionismo ser um caso clássico de colonização por assentamento — que não quer apenas explorar a população local, mas se livrar dela. “Ironicamente, expulsar os palestinos da Palestina seria a única maneira de ter um Estado democrático na região.”
Hoje, a maior parte da população de Gaza cresceu no que Pappe considera a maior prisão do mundo. “Não conheço nenhum outro grupo populacional vivendo em tais condições desde a Segunda Guerra. A Faixa de Gaza foi criada como um campo prisional e, com o aumento da resistência palestina e a criação do Hamas, tornou-se um campo de extermínio”, afirmou.
É nesse contexto que devem ser compreendidos os ataques do Hamas e a reação brutal de Israel, segundo o historiador. “Em boa parte do mundo, a resistência em viver em uma prisão é vista por governos, acadêmicos e jornalistas como terrorismo, mas é um movimento anticolonialista clássico”, disse, sob aplausos.
Indiferença europeia
Pappe declarou não ter ficado surpreso com a violência do Hamas e a reação israelense, mas sim com a indiferença europeia. “Por que o Ocidente continuou apoiando Israel com o genocídio sendo televisionado?”, questionou.
Um futuro melhor, para ele, precisa de coragem moral, “algo que a maioria dos políticos não tem” — o que o deixa pessimista. Mas, no longo prazo, o intelectual vê o futuro da região com algum otimismo. “Acredito que a história é cíclica, e estamos no final de um ciclo ruim. A Palestina faz parte disso. Acredito que entraremos em um ciclo melhor, mas vai levar tempo.”
Um só Estado
O historiador afirmou ainda que não acredita na solução de dois Estados. Ele é a favor de um único Estado democrático na Palestina histórica, onde “judeus, muçulmanos e cristãos possam viver juntos e livremente”, e espera que os israelenses acreditem que também podem viver na região de maneira democrática e descolonizada.
Para Pappe, é direito e responsabilidade dos palestinos encontrar a forma de superar a desunião interna e a falta de representação autêntica. “É preciso ouvir o que os palestinos têm a dizer, o que esperam do futuro de seu país. Ouvir jovens ajudaria também os palestinos a se livrar de membros não positivos da elite política atual”, afirmou.
“Quando ouvimos a geração mais nova, percebemos a energia e a vontade para construir uma representação palestina diferente”, disse o historiador. “Cabe a eles encontrar a maneira, mas precisamos dizer que vamos apoiar sua visão de futuro.”