Em 13 de junho de 2013, o fotógrafo Sérgio Silva foi alvejado no olho por uma bala de borracha da Polícia Militar enquanto cobria um protesto no centro de São Paulo. Perdeu a visão na mesma hora. Em 29 de maio de 2021, em Recife, dois homens perderam a visão após serem atingidos por bala de borracha disparadas durante as manifestações contra o presidente Jair Bolsonaro.
Memória ocular: cenas de um estado que cega foi escrito em 2018 e, no seu lançamento, cinco anos depois do ocorrido, o pedido de indenização que Sérgio moveu na justiça foi negado em primeira e segunda instâncias. O jornalista cobria a manifestação em que se protestava pela redução das passagens de ônibus de R$ 3,20 para R$ 3 – hoje, em plena pandemia, centenas de milhares de trabalhadores se aglomeram no transporte público por R$ 4,40.
Por isso, e por tantas coisas – quilo de arroz a R$ 40, o de carne a R$ 70, cesta básica a R$ 654, butijão de gás a R$ 105 – que tornam a sobrevivência nesse país cada dia mais difícil, em 29 de maio, sábado passado, saímos às ruas. Em plena pandemia, com mais de 460 mil mortos por covid, ativistas, partidos, movimentos sociais e trabalhadores convocaram um grande ato nacional em mais de 200 cidades, manifestando sua indignação contra um governo que deliberadamente negou a compra de vacinas, um governo com um projeto genocida. Se um povo protesta e marcha no meio de uma pandemia, é porque seu governo é mais perigoso que o vírus.
Só em São Paulo, mais de 50 mil pessoas se manifestaram, além do chamado à luta aderido por coletivos e organizações brasileiras em várias partes do mundo. Apesar das críticas sobre a “aglomeração” feita por alguns veículos de comunicação tradicionais – e do silêncio retumbante de outros –, o fato que não pôde ser silenciado foi a violência com que a Polícia Militar encerrou o ato absolutamente pacífico em Recife. Bombas, gás lacrimogênio e tiros de balas de borracha que atingiram o adesivador Daniel Campelo da Silva, que estava comprando material para o trabalho, e o arrumador Jonas Correia de França, foram mais um lembrete trágico de que o Estado está sempre pronto, atento e forte, para garantir a velha ordem burguesa (e fascista). E à força.
No lançamento de Memória ocular, Tadeu Breda, autor do livro e editor da Elefante, fez um paralelo com a escritora bielorrussa Svetlana Aleksiévitch, que diante dos relatos dos soviéticos afetados pelo acidente nuclear de Tchernóbil, questionou-se: “Sou testemunha do quê, do passado ou do futuro?”. Infelizmente, diante das bombas e projéteis da PM que seguem alcançando a vista de manifestantes, repetimos a mesma pergunta.