Por Sérgio Guimarães
Publicado em Infraestrutura para o desenvolvimento sustentável da Amazônia
Evoluída nos últimos cinquenta milhões de anos, a floresta amazônica é o maior parque tecnológico que a Terra já conheceu, cada organismo seu, entre trilhões, é uma maravilha de miniaturização e automação.
— Antonio Donato Nobre, O futuro climático da Amazônia
A percepção da dimensão e da vital importância da Amazônia para a estabilidade do clima e para a biodiversidade, bem como para a sobrevivência de suas comunidades e de seu rico legado cultural, é essencial para entender a importância desta publicação, que vai muito além dos questionamentos aos grandes projetos de infraestrutura e seus impactos sobre a floresta e seus habitantes — espaço em que se concentra a maior parte dos esforços das organizações que trabalham na região.
Ao tratar das infraestruturas necessárias à vida das pessoas e a suas atividades econômicas ligadas ao uso sustentável da biodiversidade, Ricardo Abramovay vem suprir uma ampla lacuna. Infraestrutura para o desenvolvimento sustentável da Amazônia delineia trilhas consistentes para o estabelecimento de um conjunto de infraestruturas que fomentem e viabilizem uma economia da sustentabilidade na região. Ao mesmo tempo, responde a uma solicitação do GT Infraestrutura (grupo de trabalho nascido em 2012 e que hoje aglutina mais de quarenta organizações socioambientais) em torno da pergunta: quais as infraestruturas necessárias à melhoria da qualidade de vida das pessoas e de suas atividades produtivas vinculadas ao uso sustentável da biodiversidade na Amazônia?
De maneira sucinta e objetiva, o autor reflete sobre o próprio significado dessas infraestruturas e quais valores e princípios devem regê-las para que deixem de ser predatórias e “contribuam para o desenvolvimento de uma economia da sociobiodiversidade florestal, da agricultura familiar, das cidades e até da produção de commodities agropecuárias”. A conclusão é que, na Amazônia, é fundamental e urgente redefinir o que se entende por infraestrutura. Nesse contexto, o estudo se alinha aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e ao Acordo de Paris, bem como à visão de mundo que surge da crise climática e da crescente desigualdade social.
Na tentativa de responder a tais desafios, a obra propõe quatro pistas. A primeira é enxergar a natureza como infraestrutura. A segunda, entender como infraestrutura também o cuidado com as pessoas. A terceira diz respeito à disponibilidade de conexão, mobilidade, saúde, educação e saneamento, além de equipamentos que permitam melhorar localmente a qualidade daquilo que se produz e se comercializa. A quarta, por fim, passa por considerar como infraestrutura imaterial o conjunto de organizações e instituições capazes de estimular a formalização dos negócios e a atuação política de associações e cooperativas.
Este livro é fundamental para estabelecer trilhas para uma nova realidade na Amazônia, sobretudo porque se apoia em ciência e tecnologia e, ao mesmo tempo, no conhecimento e nas experiências locais, incorporados a partir de consultas e conversas diretas com lideranças da região. Isso permitiu integrar a visão das populações amazônicas (“infraestrutura que queremos”), que o trabalho reflete em boa medida.
Assim, Ricardo Abramovay faz uma profunda análise conectada com a qualidade do desenvolvimento e com a crise climática, apontando os rumos de uma infraestrutura para a economia da sociobiodiversidade na Amazônia, que deve ter como um de seus pilares centrais a ação articulada dos diferentes atores sociais da região. Para caminhar em direção a esses objetivos, seguindo essas trilhas, o estudo ainda propõe um bem articulado conjunto de recomendações.
Num época em que o desmatamento bate recordes históricos e o governo federal achou por bem aproveitar-se da comoção causada por uma pandemia letal para “ir passando a boiada” nas regulamentações ambientais, além de incentivar a abertura de novas frentes de mineração em terras indígenas, Infraestrutura para o desenvolvimento sustentável da Amazônia avança no projeto de construção de uma economia do conhecimento da natureza, tão essencial para o futuro do país — e do planeta.