Muito mais que um dilema terminológico, a pergunta encerra perspectivas radicalmente opostas sobre a crise ecológica. Em sete ensaios, o livro em pré-venda no site da Elefante demonstra que a ideia de Antropoceno — preferida do catastrofismo anódino dos meios de comunicação e da comunidade científica — não está isenta de politização. Ao considerar indistintamente a humanidade como responsável pelos impactos geológicos causados pelas atividades econômicas, os proponentes do Antropoceno pecam por uma enorme falta de consistência histórica.
Daí a proposta de nomear a nossa Era como Capitaloceno. Mas esse é apenas um dos termos possíveis. Ao contrário do que sugere a pergunta-título, não se trata de escolher entre um e outro conceito, apenas. Mais que analisar medições estratigráficas nas rochas, os ensaios aqui reunidos estão interessados em cavoucar as ideias-força que ocasionaram tamanho impacto sobre o planeta.
A relevância de Antropoceno ou Capitaloceno? Natureza, história e a crise do capitalismo está na pluralidade com que os autores encaram a tragédia. Por isso, os capítulos deste volume não são fáceis de resumir, mas há algo em comum entre eles: “Todos os ensaios sugerem que o argumento do Antropoceno […] é incapaz de explicar como essas mudanças alarmantes ocorreram. Questões acerca do capitalismo, de poder e classe, antropocentrismo, enquadramentos dualistas de ‘natureza’ e ‘sociedade’ e o papel dos Estados e impérios — tudo isso costuma ser limitado pela perspectiva dominante do Antropoceno”. Outra característica fundamental deste conjunto de artigos são seus argumentos “a favor de reconstruções que apontem uma nova maneira de pensar a humanidade-na-natureza e a natureza-na-humanidade”.
Antropoceno ou Capitaloceno? começa com os ensaios de Eileen Crist, que convida a “considerar as repercussões sombrias de se nomear uma Época tendo nós mesmos como referência para sopesar esse nome, que […] espelha e reforça a visão de mundo antropocêntrica que gerou ‘o Antropoceno’”, e de Donna Haraway, cujo estilo poético oferece amplos e novos espaços conceituais para quem se lança à leitura: “importa quais pensamentos pensam pensamentos”, escreve ela, inspirada pela observação da aranha Pimoa cthulhu, a partir da qual propõe a ideia de Chthuluceno.
Na sequência, Jason W. Moore enfoca a importância da apropriação de trabalho/energia para o desenvolvimento do capitalismo. “A organização do trabalho — dentro e fora da lógica do dinheiro, em todas as suas formas generificadas, semicoloniais e racializadas — deve estar no centro de nossas explicações e de nossa política”, afirma. “A questão do trabalho e a questão da natureza estarão intimamente conectadas na política do século xxi. De fato, elas já estão.”
Depois, Justin McBrien relaciona acumulação e extinção para construir o conceito de Necroceno. “O capital nasceu da extinção, e do capital a extinção fluiu. O capital não apenas rouba o solo e o trabalhador […]; ele necrotiza todo o planeta. Há aqui uma ‘fenda metabólica’ — entre a terra e o trabalho — movida pelas contradições da acumulação infinita. Essa acumulação não é somente produtiva; é necrótica, desdobrando-se numa violência lenta, ocupando e produzindo temporalidades históricas, biológicas e geológicas sobrepostas.” Elmar Altvater, por sua vez, concentra sua crítica na geoengenharia, que, para ele, “não pode responder às limitações dos sistemas terrestres no Capitaloceno”.
Para fechar o livro, Daniel Hartley relembra as origens da palavra “cultura”, essencialmente ligada à terra, e que só depois passou a ser sinônimo de civilização como elemento apartado da natureza. E Christian Parenti argumenta que o Estado capitalista é uma entidade inerentemente ambiental. “O Estado […] é uma relação com a natureza, porque a teia da vida e seu metabolismo — incluindo a economia — existem sobre a superfície da Terra e porque o Estado é fundamentalmente uma instituição territorial.”