Transição ecossocial justa: as lutas do Sul como bússola do futuro
A Elefante está lançando Transição ecossocial justa: uma perspectiva do Sul Global, em pré-venda com desconto no nosso site. A autoria é de Maristella Svampa, que já tem outras publicações aqui na Elefante e inclusive escreve um dos textos de Colonialismo verde, e Enrique Viale. A página do livro tem a descrição, o sumário e os detalhes sobre a dupla de autores. Segue abaixo a parte final da introdução, onde eles passeiam pelas motivações e pelos capítulos da obra.
Introdução
II
Escrevemos este livro porque estamos convencidos de que não podemos sucumbir à tentação distópica de pensar o colapso civilizacional como um destino único e inevitável. Em uma época de distopias globais, na qual “é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo”, de acordo com a célebre frase de Fredric Jameson, nosso objetivo é repensar um horizonte emancipatório sem cair nas repetições cegas do passado nem em novos dogmatismos, sem nos deixarmos capturar pela figura do desencanto de certas esquerdas nem pela melancolia paralisante do catastrofismo.
Esta é, desde já, uma aposta na resiliência, em um novo pacto com a vida. Nos dois primeiros capítulos, analisamos as conexões entre crise ecológica e a emergência climática global, seus impactos e as dinâmicas territoriais a partir do Sul Global e, particularmente, da América Latina. Propomos navegar entre várias águas; aprofundamos diagnósticos críticos em relação aos modelos de maldesenvolvimento existentes e defendemos que são insustentáveis e cada vez mais capazes de danificar o tecido da vida. Analisamos os pontos cegos da visão hegemônica presentes tanto nos progressismos latino-americanos como nas narrativas conservadoras e neoliberais. Porque, a despeito de diferenças ideológicas e de mudanças de ciclos políticos, os governos latino-americanos não perderam a fé no mito do progresso e do desenvolvimento associado a uma visão produtivista.
Entendemos que há muitas narrativas em disputa. Por isso, nos capítulos 3 e 4, damos destaque para as narrativas relacionais que se desdobram no calor das lutas socioterritoriais que estão na base do Pacto Ecossocial e Intercultural do Sul: por um lado, o Bem Viver e os Direitos da Natureza; por outro, os aportes dos feminismos ecoterritoriais. Nos interessa jogar luz sobre essas abordagens relacionais que enfatizam a interdependência ou inter-relacionalidade e propõem outros horizontes societais, baseados no cuidado da vida digna.
No capítulo 5, mergulhamos de cabeça nas propostas de transição ecossocial, sobretudo o Green New Deal e o Pacto Verde Europeu. Exploramos também a centralidade da dívida ecológica e climática quando se fala das transições em chave geopolítica. Na mesma linha, o capítulo 6 analisa o impacto no Sul das políticas chamadas de “transição verde”. Para tanto, tomamos como exemplo o caso dos territórios do lítio, que abarcam os salares de Bolívia, Chile e Argentina. Trata-se de um ponto importante da nossa argumentação, pois sustentamos que o Sul não pode abraçar ingenuamente qualquer versão da transição, em especial se for baseada em novas formas de colonialismo energético, que implicam o sacrifício de nossos territórios e nossas populações.
O capítulo 7 tem a tarefa de apresentar uma agenda de transição socioecológica justa, que nos direcione a outro cenário civilizatório: uma sociedade pós-fóssil onde a justiça social esteja atrelada à justiça ambiental. Para isso, começamos desenvolvendo as bases do Pacto Ecossocial e Intercultural do Sul e centralizando a articulação entre justiça social e ambiental.
No capítulo 8, expomos o que entendemos por “transição energética” e quais são os pilares de uma transição energética democrática, justa e popular. No capítulo 9, avança-mos nos debates sobre transição produtiva, com ênfase na agroecologia, na soberania alimentar e na necessidade de uma transição urbana.
Por fim, apresentamos algumas propostas acerca do papel do Estado e dos atores sociais neste momento de grave crise planetária. A pandemia de covid-19 e a policrise derivada da guerra nos colocaram em uma encruzilhada civilizatória, com novos dilemas políticos e éticos que exigem repensar a crise econômica e climática por um novo ângulo, tanto em escala (global/nacional/local) como em questões geopolíticas (relação Norte/Sul sob um novo multilateralismo). Poderíamos reformular o dilema da seguinte maneira: ou nos encaminha-mos para uma nova normalidade num cenário mais autoritário, com mais precarização, mais extrativismo e colonialismo verde, no âmbito de um capitalismo do caos e de novas guerras imperiais; ou, sem sucumbir a uma visão ingênua, construímos uma globalização mais democrática, alicerçada no paradigma do cuidado, no reconhecimento da solidariedade e da interdependência como elos sociais e internacionais, com políticas públicas orientadas para uma nova agenda, num grande pacto ecossocial e econômico que aborde conjuntamente a justiça social e ambiental.
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Este livro não teria sentido se não fosse inspirado pelas múltiplas lutas ecossocioterritoriais e pelas narrativas contra-hegemônicas que circulam especialmente na região latino-americana. Nossa proposta, longe de ser abstrata, está diretamente conectada às lutas dos povos do Sul, que resistem a diferentes extrativismos em defesa da terra e dos territórios. Somos inspirados pelos processos de reexistência locais e pelas práticas contra-hegemônicas concretas forjadas no Sul Global por povos originários, mulheres e jovens nas últimas décadas: Direitos da Natureza, Bem Viver, ubuntu, comuns, paradigma dos cuidados, agroecologia, soberania alimentar, dívida ecológica, pós-extrativismos, pluriversos, autonomias e, sobretudo, a transição justa, popular e integral.
Parafraseando José Carlos Mariátegui (2020), devemos utilizar as ferramentas que o pensamento político e socioecológico do Sul nos oferece não como “dogma”, fórmula ou rótulo, mas como uma “bússola” para nossa viagem. Assim, este livro não aspira a fornecer um itinerário estabelecido de antemão, mas, especificamente, um guia, um mapa. No momento atual, recorrendo novamente a Mariátegui, precisamos “pensar com liberdade”, e, para isso, “a primeira condição é abandonar a preocupação coma liberdade absoluta”. E ele conclui: “O pensamento tem a necessidade estrita de rumo e de objeto. Pensar bem é, em grande medida, uma questão de direção e de órbita”.
Foto: Dialogue Earth












