Formação política do agronegócio é um livro que devia ter sido publicado há muito tempo. O esforço de Caio Pompeia, um antropólogo que estuda as elites brasileiras, sintetiza um percurso de setenta anos: da teorização do conceito de agribusiness, na década de 1950, aos primeiros anos do governo Bolsonaro.
O termo nasceu na Escola de Negócios de Harvard. Por meio dele, buscou-se entender a produção agropecuária como uma cadeia ampla, que começa antes da fazenda, continua dentro da porteira e extravasa a zona rural, abrangendo indústria, varejo, serviços e finanças. Rapidamente, o termo foi apropriado pela diplomacia norte-americana, que viu na “guerra contra a fome” do presidente Lyndon Johnson a oportunidade perfeita para expandir as práticas do agribusiness.
Assim foi plantada a semente da Revolução Verde. Entidades agropecuárias brasileiras começaram a mobilizar o termo rapidamente, com a ajuda de emissários de Washington. Entre críticas e elogios, o agribusiness começou a ganhar caldo político no país durante a Assembleia Constituinte, em meio ao fim da ditadura, ao surgimento do MST e à revolta contra a concentração fundiária.
Nesse processo, algumas universidades públicas, como a USP, tiveram papel central na irradiação do conceito, que passou a vicejar. Um dos principais disseminadores do agribusiness no Brasil foi Roberto Rodrigues, que em 2003 seria nomeado ministro da Agricultura. Mas não foi Lula quem levou o agronegócio para dentro do governo; a tarefa coube a FHC, que prometeu aliança com os produtores rurais para salvar a balança comercial, à custa do Cerrado, da Amazônia e dos povos tradicionais.
Com o PT, o agronegócio floresceu. Quando da aprovação do novo Código Florestal, o setor enxergou a primeira oportunidade de mostrar a que veio. Para isso, contou com o apoio de políticos identificados com a esquerda. No embate constante com ambientalistas e indigenistas, a bancada ruralista ganhou os músculos necessários para impor sua agenda ao país — o que, em 2016, facilitaria o caminho de Temer ao Planalto.
De nada adiantou Dilma fazer concessões: os embates internos do agronegócio — e seus votos no Congresso — já haviam decidido pelo impeachment, ao passo que lançavam em rede nacional de televisão, com dinheiro da JBS, a campanha que tentaria entronizar de uma vez por todas o “agro” no coração do povo.
Com Bolsonaro, o setor começou a colher seus melhores frutos. Mas a sanha extremista do governo aprofundou divisões internas que, de maneira mais ou menos pronunciada, sempre existiram entre as entidades representativas do agronegócio. Enquanto a parcela identificada com os valores do ex-capitão promoveu queimadas históricas, grupos atrelados ao mercado externo, com medo dos “riscos reputacionais”, adotaram discursos voltados à sustentabilidade socioambiental — que, contudo, não têm sido suficientes para deter a destruição ecológica ou a violação de direitos.
Por traçar, de maneira inédita, um perfil do setor político-econômico mais influente do país, esta é uma leitura essencial para entender a realidade em que vivemos.