Livro essencial para entender a conexão entre a vida cotidiana e os movimentos da política e da economia mundiais, Modo de vida imperial explica como algumas nações “emergentes” passaram a rivalizar com os países “desenvolvidos”, reproduzindo, no próprio território e alhures, a exploração da qual anteriormente eram apenas objeto, e formando um novo arranjo que transformou muitos aspectos da relação entre o Norte e o Sul globais.
Entretanto, a ideia do livro não é desbancar o conceito de imperialismo, igualando novas e velhas “potências”. Pelo contrário, trata-se de definir quais aspectos do nosso dia a dia no Sul passaram a emular os valores introjetados pelo capitalismo do Norte, complexificando uma realidade que já não se resume a imposições externas. Um dos exemplos dessa lógica é a presença de China, Índia e Brasil entre os maiores emissores mundiais de gases causadores do efeito estufa.
O modo de vida imperial pode ter sido idealizado e difundido pelo 1% mais rico, nos países centrais do capitalismo, mas hoje rege a existência de boa parte dos demais 99%, que acatam os padrões estabelecidos de conforto e bem-estar. Isso se reflete em dimensões concretas da vida, como alimentação, moradia e vestuário.
“O modo de vida imperial é baseado em desigualdade, poder e dominação e, ao mesmo tempo, cria essas mesmas forças — às vezes recorrendo à violência. Ele molda os sujeitos e seu senso comum, normalizando-o e ativando sua capacidade de agir: como mulheres e homens, como indivíduos maximizadores utilitários que se sentem superiores aos outros, como pessoas que lutam por formas particulares da boa vida”, escrevem Ulrich Brand e Markus Wissen.
Os autores tentam atravessar lugares-comuns sobre geopolítica e luta de classes com a intenção de enriquecer a análise sobre um mundo que assiste à ascensão da extrema direita. A obra também busca compreender como os trabalhadores do Norte, por meio de seu estilo de vida e padrões de consumo, agem de maneira a prejudicar os do Sul, jogando por terra o internacionalismo proletário que um dia funcionou como elemento de solidariedade entre eles.
Acentuado pelo triunfo do neoliberalismo, o modo de vida imperial, pautado pela exploração dos seres humanos e da natureza — sobretudo em um “outro lugar”, distante dos grandes centros —, está entranhado no imaginário da maior parte da humanidade, e não apenas nas classes dominantes. O imperialismo criou e disseminou um modo de vida que “está profundamente incrustado nas instituições políticas, na economia, na cultura e nas mentalidades, nas formas de orientação das pessoas no mundo, nos interesses de atores políticos relevantes e nas práticas da vida cotidiana”.
De acordo com Brand e Wissen, um dos maiores símbolos do modo de vida imperial é a automobilidade, ou seja, a construção de infraestrutura — e de toda uma cultura — voltada ao transporte individual movido a petróleo. Os autores pontuam que soluções técnicas, como o uso de energias renováveis e o mercado de carbono, são apenas uma modernização do modo de vida imperial, pois não alteram o cerne da dominação. “O capitalismo verde nem administrará efetivamente a crise ecológica nem reduzirá a desigualdade, muito menos criará boas condições de vida para todos.”
Como resposta, Brand e Wissen propõem o modo de vida solidário, baseado em práticas contra hegemônicas que sempre existiram e sempre vão existir. Trata-se de “não viver de acordo com certos modelos, ou até mesmo se abster completamente deles”. Para tanto, os autores mobilizam inúmeras leituras e conceitos, entre os quais se destacam a “realpolitik revolucionária” de Rosa Luxemburgo, o “reformismo radical” de Joachim Hirsch, a “dupla transformação” de Dieter Klein e o levante zapatista.
“As lutas por um modo de vida solidário se concentram na premissa de que as condições consideradas problemáticas precisam ser abolidas, fortalecendo as alternativas, com uma perspectiva de superação das lógicas dominantes institucionalizadas no Estado capitalista patriarcal.”