Desmatamento da Amazônia também destrói a economia
Por Bertha Maakaroun
Estado de Minas
A floresta amazônica, as etnias e a biodiversidade estão sob ataque de grileiros. E isso, apesar de o desmatamento não ser premissa para o crescimento econômico da Amazônia: a expansão da agricultura brasileira deixou de ser intensiva em terra para ser cada vez mais intensiva em tecnologia. Para além da produção da soja, – cuja cadeia de valor ligada à produção na Amazônia está engajada no compromisso de traders globais para a não aquisição do produto originado em áreas recentemente desmatadas – também o crescimento econômico e o bem-estar das populações amazônidas não dependem do desmatamento. Ao contrário, onde mais se desmata é onde menos a economia cresce e onde é maior a distância entre os indicadores de desenvolvimento do país e os da Amazônia.
A conclusão é de Ricardo Abramovay, professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP), autor de Amazônia: por uma economia do conhecimento da natureza. Na última quarta-feira, ele lançou o livro no projeto Sempre um Papo, em BH. Com base em um conjunto de dados empíricos, Ricardo Abramovay demonstra, em sua obra, a importância das unidades de conservação e das populações que nelas vivem: além dos serviços ecossistêmicos que prestam, têm potencial subaproveitado de geração de riqueza e de bem-estar presente nas práticas econômicas desses povos tradicionais.
“O Brasil tem na economia da floresta em pé, ou seja, na economia do conhecimento, da biodiversidade, enorme potencial para assumir relevância global. Além dos produtos da biodiversidade, existe potencial grande nas moléculas da biodiversidade. Hoje, a indústria farmacêutica no Brasil é de genéricos e, no entanto, aqui temos a ‘Biblioteca de Alexandria’ da biodiversidade e não se tem leitores”, afirma ele.
Abramovay considera o avanço do desmatamento na Amazônia desastroso não apenas para a perspectiva econômica, mas também para a própria democracia brasileira: em vez dos laços de confiança que poderiam emergir como resultado da exploração sustentável da floresta em pé, o atual modelo de ocupação da Amazônia fortalece a criminalidade e dissemina a insegurança por toda a região, com a ação da grilagem que invade as terras devolutas, áreas de conservação e áreas indígenas, desmatando com fins patrimoniais. Segundo o pesquisador, a sinalização do governo federal de que o Brasil teria exagerado na demarcação de terras indígenas e unidades de conservação agravou o quadro.
“Isso foi uma espécie de senha, de sinal dado pelo atual governo, para que atores criminosos passassem a invadir terras e atacar as populações indígenas”, diz ele. Confira a entrevista exclusiva de Abramovay ao Estado de Minas.
O que o motivou a escrever o livro?
Em função da precaríssima informação que em geral a sociedade brasileira tem sobre a Amazônia, particularmente as pessoas ligadas aos organismos de tomada de decisão, como o Judiciário. Há muito preconceito contra a Amazônia. O principal deles traduz-se na errônea ideia de que a condição básica para que a miséria seja combatida na Amazônia seja aprofundar o modelo de crescimento econômico que hoje vigora na região. Um modelo apoiado no avanço da pecuária e no avanço do desmatamento para a produção de grãos, principalmente soja, e na mineração. Procurei mostrar que esse modelo de desenvolvimento econômico tem dado resultados insatisfatórios: se de fato tal modelo fosse aceitável para lutar contra a pobreza e a miséria, a Amazônia não estaria hoje situada no topo da linha de miséria do Brasil. O crescimento econômico e o bem-estar das populações que vivem na Amazônia não dependem do desmatamento. Ao contrário, onde mais se desmata é onde menos a economia cresce e onde é maior a distância entre os indicadores de desenvolvimento do país e os da Amazônia. Quando autoridades dizem que é importante ampliar a produção agropecuária na Amazônia, se isso significar promover esse tipo de desmatamento, trata-se de operação que envolve atores e procedimentos que não vão resultar em desenvolvimento, mas em destruição e criminalidade.
O que os indicadores sociais nos dizem sobre o padrão de crescimento da Amazonas ao longo das últimas décadas?
Vivem na Amazônia 25 milhões de pessoas e a sua taxa de crescimento demográfico é bem superior à do país como um todo. Mas o padrão de crescimento da Amazônia nas últimas décadas desestimulou o fortalecimento da economia regional, não elevou o padrão de vida da população e trouxe danos ambientais que comprometem a própria produção agropecuária. A Amazônia tem os piores indicadores do Brasil. Em 98,5% dos municípios do estado, as condições de vida são piores que as de outras regiões do Brasil. E quando falo de indicadores, não são apenas os ligados à renda monetária. O saneamento é precário, a oferta de água para a população é precária, a oferta de energia para a população é pre- cária. Isso se torna fator da violência criminosa.
Qual é a evolução do desmatamento na Amazônia?
Entre 2004 e 2012, o Brasil foi o país que deu isoladamente a maior contribuição contra as mudanças climáticas do mundo. Isso é reconhecido pelas Nações Unidas. Entre 2004 e 2012, graças às políticas públicas de repressão, o Brasil reduziu o seu desmatamento de 27,7 mil quilômetros quadrados (km2) para 4,4 mil km2, ganhando grande reconhecimento internacional. Mas teve esse quadro revertido a partir de 2012. Entre 2015 e 2016, o desmatamento aumentou 50% em relação a 2014. É verdade que, em 2017, o desmatamento caiu 16% em relação a 2016. Mas, ainda assim, o Brasil desmatou na Amazônia, só em 2017, nada menos que 6.624km2, segundo dados do Observatório do Clima. E agora, mais recentemente, tivemos a elevação do desmatamento para algo próximo a 10 mil km2. É menor do que foi 2004, mas uma trajetória de ascensão preocupante. Tanto mais preocupante porque 90% desse desmatamento é ilegal.
Que papel desempenha a grilagem no desmatamento?
O desmatamento é uma atividade profissional e muito cara. É gente que tem dinheiro, contrata pessoas miseráveis, frequentemente em situação de trabalho escravo, para fazer esse trabalho absurdo. É um desmatamento profundamente irracional: em média, dois terços da área desmatada na Amazônia estão voltados para a pecuária de baixíssima qualidade ou estão abandonados. O grileiro entra em terras devolutas – hoje existem entre 70 milhões e 80 milhões de hectares de áreas devolutas, que pertencem à nação e não poderiam ser ocupadas – e depois que invade, derruba, desmata e ocupa com pastagem de baixíssima produtividade, na expectativa de que a área seja legalizada. Isso se agravou no atual governo federal, porque com o discurso do Executivo de que o Brasil teria exagerado na demarcação de terras indígenas e unidades de conservação, foi uma espécie de senha, de sinal para que atores criminosos passassem a invadir terras, o que antes não era feito. Pois antes, face à invasão de território indígena ou de unidade de conservação, a expectativa de legalização era muito baixa. Neste momento, o que está acontecendo em territórios indígenas é as- sustador.
Além do risco de genocídio, há também o etnocídio, ou seja, o extermínio de culturas. Mas se depender da visão de mundo de quem ocupa o Planalto, o Brasil perderá a sua diversidade cultural. O Brasil é um país que fala mais de 150 línguas. Isso é patrimônio, não só a cultura espiritual, mas também a cultura material dos povos indígenas, que é fundamental para o desenvolvimento tecnológico. Os indígenas conhecem muito melhor a floresta do que os cientistas. A união de esforços entre cientistas e indígenas está constituindo uma tecnologia para reflorestamento muito mais importante, como se verifica com a atuação da ONG Rede de Sementes do Xingu.
Em seu livro, o senhor aborda a economia do conhecimento da natureza ou a economia “da floresta em pé”. Poderia desenvolver essa ideia?
O Brasil, nos últimos 40 anos, perdeu o bonde da inovação tecnológica na área industrial. Passou por desindustrialização gigantesca, e não vamos recuperar isso porque perdemos as condições de acompanhar o progresso tecnológico. A única área que temos condições de nos tornar relevantes é na economia do conhecimento, da biodiversidade. Além dos produtos da biodiversidade, existe potencial grande nas moléculas da biodiversidade. Hoje, a indústria farmacêutica no Brasil é de genéricos, e no entanto, o lugar em que há a Biblioteca de Alexandria da biodiversidade não se tem leitores. Destruir a floresta é destruir potencial de inovação tecnológica e geração de renda extraordinário. Agora, a boa notícia é que está se formando uma espécie de consenso, uma coalizão em torno da economia da floresta em pé.
Políticos, governadores dos estados da Amazônia, estão se dando conta de que o modelo atual de crescimento é tiro no pé, vai agravar problemas sociais. Já estão falando e tentando tomar iniciativas no sentido da biodiversidade. No meio empresarial, há também empresas tomando decisões nesse sentido. Além disso, há iniciativas para valorizar o empreendedorismo na Amazônia: jovens investidores interessados em valorizar produtos na floresta. O ativismo é elemento importante por duas características: os ativistas são ao mesmo tempo pesquisadores, que publicam nas melhores revistas internacionais. Em segundo lugar, esses ativistas agem para favorecer negócios da sustentabilidade. Estão lá com empresas que se proponham a compreender o valor da biodiversidade e queriam estabelecer na região uma economia da floresta em pé. São elementos que estão se articulando agora e no fundo são a base de uma virada na Amazônia, para quando tudo isso ficar claro para o conjunto da sociedade brasileira. Importante dizer, contudo, que tudo isso é tímido enquanto a sinalização do governo federal for compactuar com a violência e a criminalidade na Amazônia.