fbpx

Dia da Consciência Negra: um longo caminho a ser percorrido

Se os palácios de governo brasileiros começam a ser muito lentamente ocupados por mais pessoas negras, as estatísticas das ruas se mantêm assustadoras, demonstrando a persistência do racismo estrutural.

Em 20 de novembro celebramos o Dia da Consciência Negra, mas há de se perguntar se existem motivos para comemoração. Pouco mais de 32% dos prefeitos eleitos em primeiro turno nas eleições 2020 são negros, uma proporção ainda distante dos 56% que esse grupo representa na população brasileira. Mas é um avanço: nas eleições municipais de 2016, os prefeitos negros somaram 29,2%. Em relação às câmaras municipais, a porcentagem é um pouco maior: 44% dos vereadores eleitos em 25 capitais são negros

Se os palácios de governo brasileiros começam a ser muito lentamente ocupados por mais pessoas negras, as estatísticas das ruas se mantêm assustadoras, demonstrando a persistência do racismo estrutural. De acordo com o Atlas da Violência 2020, a taxa de homicídios de negros saltou de 34 para 37,8 por 100 mil habitantes entre 2008 e 2018. De acordo com dados do Monitor da Violência, em 2018 as polícias brasileiras mataram 5.716 pessoas e, em 2019, 5.804 pessoas. No primeiro semestre de 2020, as polícias brasileiras mataram 3.148 pessoas. E 75% dos brasileiros assassinados pelas forças de segurança no Brasil são negros. O número total de policiais e militares eleitos neste ano cresceu 39% na comparação com a eleição municipal de 2016

Neste Dia da Consciência Negra, a Elefante lança #VidasNegrasImportam e libertação negra, de Keeanga-Yamahtta Taylor, um estudo aprofundado sobre o movimento antirrascista mais importante da atualidade, surgido nos Estados Unidos justamente quando o país era governado pela primeira vez por um presidente negro. O livro mergulha na história da luta pelos direitos civis e do movimento negro estadunidense, ressaltando os limites da representatividade eleitoral e a importância da mobilização popular, em uma aliança entre trabalhadores de todas as raças:

“Solidariedade significa se unir com as pessoas, mesmo que você não tenha experienciado pessoalmente a específica opressão que elas sofrem. A realidade é que, enquanto existir capitalismo, as pressões materiais e ideológicas pressionam os trabalhadores brancos a serem racistas e todos os trabalhadores a suspeitarem uns dos outros”, explica Keeanga, ressaltando a dimensão de classe na luta antirracista. “Mas há momentos de luta em que os interesses mútuos dos trabalhadores são expostos. Então, a suspeita finalmente se volta para outra direção: para os plutocratas que vivem bem enquanto o resto de nós sofre. A pergunta principal é se, nesses momentos de luta, é possível articular uma análise coerente da sociedade, da opressão e da exploração que dê sentido ao mundo em que vivemos, e que também promova a visão de um tipo diferente de sociedade, e um modo de chegar lá.”

O nome Keeanga-Yamahtta Taylor nos foi assoprado por Silvia Federici, nossa querida e tão importante autora de Calibã e a bruxa. Foi Silvia, no intervalo entre os eventos que realizamos para o lançamento de O ponto zero da revolução, em setembro de 2019, quem reforçou a nosso editor a importância do trabalho de Keeanga. Ela é representante da nova geração de uma tradição do pensamento político negro estadunidense identificada com Angela Davis e W.E.B. Dubois, entre outros intelectuais cuja produção teórica foi ou vem sendo pautada pela atuação na linha de frente da resistência antirracista.

#VidasNegrasImportam e libertação negra foi originalmente publicado e premiado em 2016, e chega agora ao Brasil com tradução de Thalita Bento e prefácio de Natália Neris. Sua análise central estabelece como principal conquista do movimento negro contemporâneo sua capacidade de crítica ao racismo estrutural que fundamenta a sociedade estadunidense — e a brasileira também, e tantas outras. O livro de Keeanga-Yamahtta Taylor é pautado por sua experiência militante nos movimentos organizados que pontuam diariamente que não é mais admissível assistirmos calados ao aprofundamento da opressão de raça, bem como de gênero e de classe, que mais um processo de acumulação de capital promovido pelo neoliberalismo está promovendo nos últimos anos. A via institucional é, como mostra autora, insuficiente — é preciso uma transformação radical.

“A existência humana é, porque se fez perguntando, a raiz da transformação do mundo. Há uma radicalidade na existência, que é a radicalidade do ato de perguntar.” É com esta citação do educador brasileiro Paulo Freire que a educadora negra estadunidense bell hooks inicia o livro Ensinando pensamento crítico: sabedoria prática, que compõe a coleção da autora publicada pela Elefante. Esse caminho da pedagogia crítica proposto por bell hooks se reflete na didática com a qual ela aborda os mais diversos temas políticos, da sociedade e da cultura. Em Erguer a voz, também parte dessa coleção, a autora radicaliza criticamente a máxima de que “o pessoal é político”, e reflete sobre como o trânsito entre o silêncio e a fala pode ser um gesto desafiador que cura, que possibilita uma nova vida e um novo crescimento ao oprimido, ao colonizado, ao explorado e a todos aqueles que permanecem e lutam lado a lado, rumo à libertação.

Na coleção bell hooks publicada pela Elefante, temos também Anseios, em que a autora reúne textos que vão passar por Toni Morrison e Malcolm X, além de longas-metragens como Faça a Coisa Certa, de Spike Lee; e Olhares negros, que segue a pegada das narrativas culturais, jogando luz na forma como as pessoas negras são representadas na literatura, na música, na televisão e no cinema. Em 2021, já deixamos avisado: teremos muito mais bell hooks escrevendo sobre educação, filmes, masculinidade, comunidade e, claro, racismo e feminismo.

No Brasil, o permanente genocídio negro cometido pelo Estado brasileiro nos levou a compilar os textos da coletânea De bala em prosa. A gota d’água, dentre tantas, foi a morte de um músico e um catador de materiais recicláveis no Rio de Janeiro em abril de 2019, assassinados “por engano” pelo Exército com “oitenta tiros”, como foi divulgado à época — na verdade, foram 257. No livro gratuito, disponível em PDF, os textos reúnem gritos cansados de um cotidiano claustrofóbico de violência e preconceito, com raízes bem fincadas na escravidão, onde mesmo os textos mais otimistas estão empapados de sangue. Boa parte deles se direciona não apenas ao poder estatal que controla, reprime, encarcera e mata, mas aos poucos brancos que conseguem enxergar o racismo estrutural brasileiro, mesmo sem senti-lo ou compreendê-lo.

 

Imagem do post: Manifestantes se unem ao grito de ordem, agora global: “vidas negras importam”. SILVIA IZQUIERDO / AP

Também pode te interessar