Por Breno Castro Alves
Newsletter da Elefante

 

Cara leitora, você é latina? E você, querido leitor, se identifica como latino-americano?

Em 2014, o Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo aplicou 1.881 questionários para concluir que apenas 4% dos brasileiros se considera latino-americano, enquanto em nossa vizinha Argentina esse número alcança 57%.

E isso agora é um problema? Já pacificamos: somos brasileiros. Certo. Mas, e nossa América Latina, seguiremos de costas para os vizinhos? Agora, enquanto estamos vivos, podemos agir: construir identificação com os povos coloridos e saborosos com quem dividimos este canto de mundo e muita história, ou seguir engolindo a visão de mundo dos Estados Unidos da América do Norte, ou da próxima metrópole, sempre tão presentes em nosso dia a dia de enlatados culturais.

Em seu Identidade, publicado pela editora Jorge Zahar em 2005, o velho Zygmund Baumam afirma que a identidade humana só pode ser construída ao longo tempo: “Sim, de fato, a identidade só nos é revelada como algo a ser inventado, e não descoberto; como uma coisa que ainda se precisa construir a partir do zero e que será reconstruída permanentemente, para sempre”.

O risco de não inventar a própria identidade é viver a imposição externa, ainda que muy sutil e cotidianamente, com a tenacidade necessária para produzir a negação de si mesmo. Acontece sem parar.

Este texto existe para apresentar a série Caminhos Latinos, que o podcast Pulso Latino publica como proposta de latino-americanizar o debate brasileiro. Cada um de seus doze episódios aborda um país da região. Inicia com uma análise histórica e logo desemboca na leitura crítica do presente, sempre contando com a participação de um pesquisador ou pesquisadora do país abordado.

A série lança olhares brasileiros sobre nossos vizinhos, tenciona que nos percebamos mais próximos, ressaltando paralelos e diferenças entre as realidades brasileiras e as de nossos vizinhos hispanohablantes.

Caminhos Latinos nasce da parceria entre dois projetos: o programa Realidade Latino-Americana, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e o mencionado Pulso Latino, podcast de informação e opinião sobre a realidade política, mantido por pesquisadores e militantes brasileiros. A editora Elefante é parceira do projeto: oferecemos nossos alcance (hahaha quem lê assim até pensa que é grandescoisa) para amplificar a latino-americanização de nossas vidas.

A ideia teve origem na cabeça de Fabio Luis Barbosa dos Santos, historiador, coordenador do Realidade Latino-Americana e professor de Relações Internacionais da Unifesp. Também já publicou conosco o ensaio Além do PT: a crise da esquerda brasileira em perspectiva latino-americana (2016) e Uma história da onda progressista sul-americana (2018), e co-organizou os livros Cuba no século XXI: dilemas da revolução (2017) e México e os desafios do progressismo tardio (2019).

É ele quem propõe a colaboração ao Pulso Latino. Juntos, mesclaram a pesquisa e as práticas acadêmicas do Realidade Latino-Americana com a experiência comunicacional do podcast. O resultado é um produto que, além da análise política fina, ainda acaricia aquele saudosismo quentinho que todos compartilhamos ao ver o formato rádio retomar alguma relevância, mais ainda com conteúdo livre e crítico.

A ponte entre os dois projetos foi feita por Joana Salém, pesquisadora que participa dos dois grupos e produziu a série. Abre aspas:

“O Pulso Latino surgiu com o propósito de expandir o debate crítico sobre América Latina entre brasileiros. O programa Realidade Latino-Americana, da Unifesp, também coincide com esse objetivo. Então a série Caminhos Latinos, que veio dessa parceria, pode servir como material de estudos e, claro, também como conteúdo de interesse geral.”

E prossegue. Quando lhe perguntamos sobre o papel de nossa editora no projeto, Joana saiu aspando o seguinte:

“A Elefante é uma baita parceira pra essa série. Nos Caminhos Latinos, formamos um triângulo amoroso: o Realidade, o Pulso e a Elefante. A editora já publicou dois livros coletivos do grupo Realidade Latino-Americana, em 2017 e 2019. O Pulso Latino há algum tempo faz sorteios de livros da Elefante, que dialogam com a perspectiva crítica do debate latino-americano. Então é tudo bem orgânico. Esse triângulo envolve umas vinte pessoas ativas na construção da série, na Cidade do México, em Buenos Aires e em São Paulo. A gente busca fortalecer o pensamento e o sentimento latino-americanos no Brasil. Tomara que aos poucos dê certo.”

Temos em nosso catálogo várias obras sobre América Latina. Inclusive, o primeiro livro publicado pela Elefante chama-se O Equador é verde, de 2011, cujo autor é nosso editor, Tadeu Breda, o Carlos. Sua obstinação de jornalista produziu este retrato fiel daquele momento do Equador ao mesmo tempo que catalisou o nascimento da editora. A versão digital de O Equador é verde está disponível gratuitamente.

primeiro episódio de Caminhos Latinos foi ao ar na última quinta feira e fala sobre a Argentina. Fabio Luis Barbosa dos Santos veste seu papel de historiador para sintetizar a era contemporânea da Argentina entre o peronismo, o genocídio da ditadura, o neoliberalismo da década de 1990 e a era dos Kirchner. No segundo bloco, a socióloga argentina Maristella Svampa aborda os conflitos atuais, inclusive o fogo no pantanal Argentino.

Maristella é autora de As fronteiras do neoextrativismo na América Latina, publicado em 2019. Inclusive, a relação entre este livro as queimadas no Pantanal foram tema da nossa última newsletterOs homens que comem terra para cagar dólar. O texto está disponível no Blogue da Elefante.

Caminhos Latinos é uma experiência imersiva: se apresenta bilíngue. Onze episódios contarão com o espanhol original dos pensadores convidados. Mas você, leitor fiel ao português, que não arrisca um ñ ou um ll em espanhol, não deixe isso no caminho. Encare, ouvir a língua é parte da proposta de aproximação cultural. Aos ouvidos, o parentesco entre nossos idiomas e povos se mostra belo e evidente.

Caminhos Latinos, do podcast Pulso Latino. Pelas próximas onze semanas divulgaremos mais esse exercício de latino-americanização.

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