Maior exportador mundial de tabaco em folha desde os anos 1990, o Brasil enche os pulmões do mundo com nicotina. Mas pouca gente sabe disso. E ainda menos gente conhece o poderio da indústria fumageira no país. Quem acredita que Philip Morris, Souza Cruz e outras gigantes do setor foram feridas de morte com a proibição da publicidade do cigarro não poderia estar mais enganado.
É por isso que estamos publicando o livro Roucos e sufocados: a indústria do cigarro está viva, e matando, de João Peres e Moriti Neto. O livro-reportagem oferece um retrato singular do Vale do Rio Pardo, no Rio Grande do Sul, coração da fumicultura nacional, de onde emana o discurso – e o lobby – em defesa do cigarro: tudo muito disfarçado, mas com muita eficácia.
A obra vai a fundo na análise da retórica que mistura os interesses de pequenos produtores rurais em busca da sobrevivência aos de megacorporações interessadas em potencializar seus já enormes lucros. Os autores desvendam como essa retórica é utilizada para frear políticas de controle do tabagismo, entrelaçando políticos, meios de comunicação, sindicatos, organizações que dizem combater o contrabando e até perfis falsos nas redes sociais.
“A fundamentação argumentativa importa pouco. O que ganha relevância na estratégia da indústria são as frases de efeito, os chavões e a via discursiva que busca o constrangimento dos atores que lhe fazem oposição”, resume Roucos e sufocados. “Apesar de adaptada a uma ideia com ares de modernidade (o conceito de rede), a estratégia é velha: repetir mentiras incansavelmente para que se tornem ‘verdades’ perante uma parcela da sociedade.”
O centro da articulação são as 150 mil famílias rurais responsáveis pelo plantio de tabaco. Elas têm muitos votos, enquanto as empresas têm muito dinheiro. O resultado é a eleição da bancada do fumo, capaz de fazer barulho e pressão nos órgãos municipais, estaduais e federais. Uma história que remete ao começo do século 20, mas que irrompe com força total nas últimas décadas.
As grandes empresas rumaram aos países de média e baixa renda em busca de mercados menos regulados e lucros mais altos. O Brasil ofereceu a acolhida perfeita para essa operação. Parlamentares, prefeitos, ex-ministros, ex-integrantes do STF e ex-secretários da Receita: uma vasta e poderosa rede na defesa disfarçada de um setor que mata metade da própria freguesia.