Na clássica novela de Stevenson, O médico e o monstro, o respeitável dr. Jekyll, após experimentos desastrosos, liberta seu cruel alter ego, sr. Hyde, o que faz da obra uma metáfora da natureza dual dos indivíduos. Tomando emprestada da literatura essa chave analítica, Fabio Luis Barbosa dos Santos e Daniel Feldmann discutem as contradições do progressismo no Brasil e na América Latina em O médico e o monstro: uma leitura do progressismo latino-americano e seus opostos.
Dividido em duas partes — a primeira concentrada no panorama geral do continente, a segunda dedicada ao contexto do governo Bolsonaro —, O médico e o monstro procura elucidar como a política progressista fortaleceu uma lógica econômica incapaz de romper em definitivo com as práticas neoliberais, e como, diante disso, aprofundou as “fraturas sociais que suas técnicas de governo pretenderam mitigar”.
Como resposta, fomentou-se a ascensão de uma onda conservadora ainda mais comprometida com os interesses dos “de cima” e ainda mais violenta com a resposta contestadora das ruas. Ao final, O médico e o monstro identifica pontos valiosos para um futuro de nações emancipadas, comprometidas com soluções efetivas para os problemas populares e que rejeitem qualquer forma de “mal menor”.
Em uma crítica consciente e avessa a qualquer forma de conciliação extorquida, O médico e o monstro lembra não apenas como o neoliberalismo autoritário que vemos com força no Brasil é fruto de um colapso do sistema de expectativas mobilizadas pelo progressismo local; antes, trata-se principalmente de recordar que não se trata em absoluto de deixar a crítica para depois.
Melhor seria compreender que as respostas aos problemas efetivos pelos quais passa o continente e nosso país ainda não foram encontradas. E só se encontra respostas adequadas quando não se ilude mais com respostas falsas ou com médicos que acabam virando monstros.