Fazia um belo dia de sol e calor bravo no Rio de Janeiro na manhã do último dia 27, quando desembarcamos. Do aeroporto tomamos um táxi. Uma rápida passadinha no hotel. Um suco naquelas lanchonetes de esquina decoradas com um monte de frutas, tão tradicionais na cidade. Almoço ligeiro. Pouco depois das 15h já estávamos no auditório da Escola de Serviço Social da UFRJ, na Praia Vermelha, para o ciclo de debates de lançamento do livro O Bem Viver – Uma oportunidade para imaginar outros mundos. Não conseguimos nem vislumbrar o mar…
O pessoal do Rio de Janeiro – e aqui nossos agradecimentos a Bruno Cava – preparou três debates para receber o pensador equatoriano Alberto Acosta, autor do livro que a Editora Elefante e a Autonomia Literária trouxeram ao Brasil com apoio da Fundação Rosa Luxemburgo. Acosta dividiu a mesa principal da noite, às 19h, com o ativista boliviano Oscar Vega Camacho e com a socióloga brasileira Camila Moreno. Os três discutiram as novas alternativas ao sul depois do ciclo progressista, que mostra inequívocos sinais de esgotamento. E não pouparam críticas aos governos da chamada “esquerda” latino-americana.
Acosta apresentou O Bem Viver e fez um breve resumo das ideias defendidas no livro. Falou sobre como os presidentes que espalharam esperança pelo continente no início do século 21 continuaram enxergando a proteção do meio ambiente e os direitos dos povos indígenas como sinônimos de atraso. E explicou como esses mesmos presidentes, prometendo grandes mudanças, romperam apenas parcialmente com o ciclo neoliberal – sem no entanto abrir mão do desenvolvimento.
Pelo contrário, atestou, afundaram seus países nas ideias desenvolvimentistas, intensificando a dependência do agronegócio, do petróleo, da mineração e de outras atividades primário-exportadoras que podem trazer crescimento econômico, mas não trazem desenvolvimento. “Sabem por quê? Porque o desenvolvimento não existe”, atestou. “As pessoas não acreditam em fantasmas, mas acreditam no desenvolvimento. Só que o desenvolvimento é um fantasma.”
Nesse sentido, Oscar Camacho propôs uma reflexão sobre o uso do termo “progressistas” para classificar os governos latino-americanos – de Hugo Chávez a Lula, passando por Evo Morales, Rafael Correa, Dilma Rousseff e os Kirchner, entre outros. As ideias de desenvolvimento andam de mãos dadas com as de progresso, explorando os recursos naturais à exaustão, criando desigualdades globais e ocidentalizando culturas e modos de vida ao redor do mundo. “Temos governos que se definem de esquerda, mas que possuem métodos de direita”, opinou Camacho. “Isso porque propostas de mudanças radicais sempre serão combatidas pelo poder.”
O boliviano argumentou que os partidos de esquerda latino-americanos têm enfrentado grandes dificuldades para compreender a necessidade e a urgência da descolonialidade – não apenas em relação às potências ocidentais, mas também internamente. “A descolonialidade está intimamente ligada à pluralidade”, pontou, citando uma das ideias defendidas pelo Bem Viver: o Estado plurinacional. “Nossas esquerdas devem ser as primeiras a serem descolonizadas.”
Em sua intervenção, Camila Moreno falou sobre a transcendência global de lutas locais que ocorrem em países da região. Como exemplo, lembrou da resistência de povos indígenas na Amazônia brasileira, como os munduruku, que se opõem à construção de hidrovias e hidrelétricas no rio Tapajós. “São obras intimamente relacionadas à exportação de commodities”, disse, lembrando que o peso do agronegócio brasileiro conferiu ao país o direito de presidir espaços internacionais como a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e a Organização Mundial do Comércio (OMC).
Apesar do baixo valor agregado das commodities, Camila recordou que não pode haver extrativismo a grande escala nas nações latino-americanas sem a tecnologia de ponta que se desenvolve, via de regra, nos países centrais do capitalismo. De acordo com a socióloga, essa interdependência reforça ainda mais o papel subalterno do Sul em relação ao Norte global.
“O Bem Viver se contrapõe a uma racionalidade que não se sustenta mais”, expressou. “Toda a corrupção que estamos vendo todos os dias nos jornais não se compara à destruição socioambiental causada por grandes obras de desenvolvimento na Amazônia, como as hidrelétrica de Jirau, Santo Antônio e Belo Monte, além das tragédias provocadas pelo extrativismo, como em Mariana. Essa não é uma discussão sobre peixes ameaçados de extinção, como querem nos fazer acreditar. É uma discussão sobre todo um sistema geopolítico.”