Entrevista com Terry Miller
Tradução: Felipe Martins
Publicado originalmente na Jacobin Brasil
Em abril de 2020, funcionários do JFK8, um depósito da Amazon localizado em Staten Island, nos Estados Unidos, abandonaram seus postos de trabalho em protesto contra a resposta inadequada da empresa aos casos confirmados de coronavírus entre os próprios empregados que ali trabalhavam. “Quantos casos confirmados? Dez!”, entoavam fora do prédio.
Naquela mesma noite, funcionários de outro depósito da Amazon, o DCH1, localizado em Chicago, também foram às ruas. Um deles, Terry Miller — um pseudônimo para que pudesse falar livremente — afirmou que a maioria dos trabalhadores do turno da noite ficaram do lado de fora do prédio durante a paralisação. “Esta empresa ganha muito dinheiro às nossas custas”, diz um trabalhador em um vídeo que registrou a ação daquele dia. “Minha vida não é um meio para este fim”, acrescenta.
No mesmo vídeo, outro funcionário diz que a empresa “esperou que o turno da noite terminasse para contar” sobre um caso confirmado de coronavírus entre os trabalhadores daquele depósito. “Eles não avisaram para as pessoas até que mais três turnos chegassem no dia seguinte”, diz ele.
O funcionário Terry Miller conversou com Alex Press, da Jacobin, a respeito do planejamento da paralisação, da resposta da administração do depósito DCH1, e do motivo da preocupação dos executivos da Amazon, que demitiram Christian Smalls, organizador da paralisação em Staten Island — demissão esta que envolveu os vice-presidentes sêniores da empresa e o próprio dono, Jeff Bezos.
Apesar dos desafios, Miller é claro sobre a situação do movimento: “Estamos fazendo avanços”.
Assisti ao vídeo em que você e seus colegas de trabalho estavam do lado de fora do DCH1, um depósito da Amazon localizado em Chicago. Pode me dizer o que levou a paralisação e qual foi a resposta da gerência?
Ao longo de vários meses, crescemos e intensificamos nosso movimento. Cada vez que fazíamos uma petição, tínhamos mais assinaturas. Cada vez que distribuíamos boletins informativos, mais pessoas pegavam e liam. Nossa lista de contatos de colegas de trabalho adeptos ao movimento cresceu. Estávamos fazendo potlucks [confraternização onde cada participante leva comes e bebes] semanais durante o almoço.
Tivemos eventos sociais antes da quarentena provocada pela pandemia do coronavírus. Tivemos uma variedade de eventos que fortaleceram o movimento, tanto dentro como fora do depósito. Em janeiro e fevereiro, estávamos trabalhando no conquistado regime de folga remunerada [paid time off ou PTO]. Em suma, passamos por uma variedade de situações que foram bem-sucedidas do nosso ponto de vista: ganhamos muitos adeptos ao nosso movimento.
Quando a pandemia do coronavírus atingiu os Estados Unidos, sabíamos que era uma questão de tempo até que um caso aparecesse em nosso local de trabalho. O primeiro foi no depósito DBK1, em Nova York — os funcionários de lá reagiram rapidamente, fechando-o — e, por isso, sabíamos que precisávamos estar prontos quando chegasse a nossa vez.
Desenvolvemos o movimento e algumas das infraestruturas necessárias para nos precaver das infecções, mas alguns de nós preferiram se proteger nas estruturas e não trabalhar, então foi meio caótico. No momento em que recebemos a confirmação da gerência sobre um caso de infecção, concluímos que precisávamos responder imediatamente. O nosso comitê organizador — que é o grupo de nós que está mais engajado nos esforços do movimento — fez uma reunião de emergência no dia seguinte e disse:
“Temos um caso confirmado de coronavírus. Até agora, a gerência não só tem sido sombria quanto a isso, como também está tentando encobrir este fato ou está esperando que vários turnos cheguem antes de fazerem um pronunciamento, colocando todos em risco. Isto é uma crise. Precisamos responder. O que devemos fazer?”.
Foi quando formulamos nosso plano: precisamos iniciar imediatamente uma petição, precisamos de um conjunto de exigências, temos que ser muito claros sobre o que queremos mudar neste depósito para nos protegermos do coronavírus. Registramos nossas exigências nessa reunião e fizemos a tal petição para que pudéssemos esclarecer nossas demandas para todos os nossos colegas de trabalho, para que todos ficassem na mesma página e para que tivéssemos unidade. De lá para cá, tivemos que iniciar uma paralisação, pois percebemos que era é a única maneira de acabar com o problema.
O caso confirmado veio na sexta-feira, 27 de março. Segunda-feira à noite foi nossa paralisação. Tivemos 48 horas desde o momento em que o vírus começou a nos atingir até o momento que planejamos paralisar. Precisávamos reagir rápido porque, quanto mais tempo este depósito estivesse aberto, mais nossos colegas de trabalho estariam em risco.
Tenho colegas de trabalho com mais de setenta anos e sabemos que a taxa de fatalidade para eles é maior. Imagine ter 72 anos e trabalhar em um depósito da Amazon por que você não pode se aposentar. Portanto, é uma crise do caralho.
Distribuímos a petição principalmente por via eletrônica, pois estamos de quarentena. Se fôssemos para o depósito, há regras que não nos permitiriam ficar a menos de um metro um do outro, e por isso não poderíamos andar por aí com uma prancheta e uma petição nas mãos.
Primeiramente enviamos mensagens SMS, e-mails e usamos as mídias sociais para conseguir assinaturas. Após isso, imprimimos nossa petição e tínhamos tudo pronto na segunda-feira para falar com nossos colegas de trabalho. No depósito, montamos um piquete de greve antes do turno da noite começar, conversamos com todos os colegas que iam chegando, e explicamos o que estávamos fazendo e o porquê queríamos fechar o depósito.
Foi assim que conseguimos iniciar uma paralisação significativa no turno da noite. Por causa disto, o depósito foi incapaz de movimentar grande parte de seu volume.
Vale a pena notar a tristeza da subjugação do capitalismo, especialmente para negros da classe trabalhadora. Quando colegas entravam no depósito, furando o bloqueio do piquete, não ficamos ressentidos. Foi tipo: “Ei, você quer se juntar a nós? Estamos tentando fechar este depósito sem que sejamos prejudicados”, mas eles disseram: “Eu preciso deste salário.” Outros colegas afirmaram: “Eu apoio vocês. Eu assinei sua petição, mas eu preciso destas horas de trabalho” [nos Estados Unidos, o cálculo do salário se dá pelas horas trabalhadas].
E nós estávamos, tipo, “tudo bem, faça o que achar melhor”. Nós perguntamos a eles: “Vocês se sentem seguros entrando neste depósito? Vocês realmente acham que a gerência está fazendo o suficiente para nos proteger do coronavírus? O que vocês acham que deveria acontecer?”. Eles responderam: “Acho que deveríamos fechar o prédio”. E nós dissemos que isto era justamente a nossa primeira exigência descrita em nossa petição e por isso estávamos paralisando. Eles comentaram, ainda assim: “Sim, concordamos com você, mas precisamos das horas de trabalho.”
Essa é a escravidão do capitalismo. Das pessoas que entraram no depósito, a maioria expressou apoio à nossa paralisação, mas disseram que precisavam do dinheiro.
>> Leia na íntegra na Jacobin Brasil