Paulo Freire, uma ameaça ao autoritarismo

Por Sérgio Haddad
Orelha de Inquérito Paulo Freire


Sessenta anos depois do golpe de 1964, Inquérito Paulo Freire recupera os dois interrogatórios a que o educador foi submetido pelo tenente-coronel Hélio Ibiapina Lima durante o período em que esteve encarcerado no Recife, entre junho e setembro daquele mesmo ano. As transcrições são acompanhadas por apresentação e notas da historiadora Joana Salém Vasconcelos, além de uma entrevista com Dimas Brasileiro Veras, que relaciona a prisão de Paulo Freire com o momento vivido na época em Pernambuco. Trata-se de um livro relevante e oportuno para o tempo presente, uma vez que relembra as inúmeras violações de direitos humanos praticadas pelos agentes da ditadura justamente quando voltamos a conviver com intentonas golpistas civis e militares.

Por qual motivo, afinal, um educador preocupado em ensinar trabalhadores a ler e a escrever num período em que o país mantinha altas taxas de analfabetismo foi um dos primeiros a serem presos e interrogados pelo Exército? Seria por que, no Brasil daquela época, onde analfabetos não podiam votar, a campanha nacional idealizada pelo educador desestabilizaria os tradicionais currais eleitorais brasileiros? Talvez. A questão, porém, é que a proposta de Paulo Freire buscava alfabetizar enquanto discutia os problemas do povo com o povo, convocando à participação como forma de superá-los. Uma ampla campanha nesses moldes era um chamado à cidadania dos mais pobres e uma ameaça aos donos do poder — assim como é hoje e será amanhã, enquanto houver tamanha desigualdade.

Daí que conservadores e golpistas continuem perseguindo Paulo Freire. Nestes últimos anos de avanço do autoritarismo no Brasil, impulsionado pelo bolsonarismo, a difamação contra sua figura atingiu novos níveis, inclusive com propostas para que se lhe retire o título de Patrono da Educação Brasileira. Como se pouco ou nada tivesse mudado, os interrogatórios e os textos deste livro revelam que os velhos argumentos empregados pelos arautos do conservadorismo para criminalizar o educador continuam em voga.

Paulo Freire saiu para o exílio em 1964, retornou em 1980. Suas ideias ganharam o mundo, fazendo dele um dos intelectuais mais respeitados no campo das ciências sociais. Morreu em 1997, sem nunca deixar dúvidas de que tinha lado: o dos oprimidos.

 

Sérgio Haddad é doutor em história e filosofia da educação pela Universidade de São Paulo e autor de O educador: um perfil de Paulo Freire (Todavia, 2019).

 

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