Descrição
A lógica do conjunto da economia mudou, resultado da revolução digital — tão profunda, a meu ver, como foi a Revolução Industrial mais de dois séculos atrás. É necessário ir além das análises de como o passado se deforma em diversos aspectos, e entender qual é a nova realidade que está surgindo, em termos sistêmicos. Estamos enfrentando um sistema muito mais perverso do que o capitalismo industrial, que era sem dúvida explorador, mas também produtivo. A desigualdade hoje se aprofunda de maneira mais acelerada, e com pouca base produtiva: é um sistema essencialmente extrativo que se dá à custa de uma destruição ambiental cada vez mais catastrófica. Pior: gera um controle político que destrói a democracia e, portanto, nossa capacidade de reverter o processo. Chamar isso de “capitalismo”, por mais explorador que ele tenha sido, é lhe dar um verniz de legitimidade. Em termos de enfoque geral, em vez de elencar as deformações do capitalismo que conhecíamos, acrescentando-lhe qualificativos, a ideia é pensar o novo sistema que está emergindo. […] O foco da presente pesquisa são as atuais mudanças, mais aceleradas e profundas do que foi a própria Revolução Industrial relativamente à era feudal. A agricultura não desapareceu, mas o eixo transformador passou a ser a indústria. Hoje, a agricultura e a indústria não deixam de ter relevância, mas quem manda são os teclados e o sistema de controle digital. Não apresento aqui um elenco das nossas desgraças. Os dramas sociais e ambientais que nos desafiam estão escancarados, bem como o caótico comportamento das grandes corporações que os geram. Por trás das desgraças há o problema maior, que é o da nossa impotência para enfrentá-las. Ou seja, o que está no centro da discussão é a questão da governança: como assegurar um processo decisório que nos permita reverter as tendências? Nossos potenciais tecnológicos ultrapassaram em muito nossa capacidade de organização social e os próprios valores que deveriam reger o seu uso. Não hesito dizer que enfrentamos uma crise civilizatória.
— Ladislau Dowbor, na apresentação
SOBRE O AUTOR
Ladislau Dowbor é professor de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), consultor de agências da ONU e gestor do site http://dowbor.org, pequena biblioteca científica com textos disponíveis gratuitamente. Seus livros mais recentes são A era do capital improdutivo (Autonomia Literária/Outras Palavras, 2017), O capitalismo se desloca (Sesc, 2020), O pão nosso de cada dia (Autonomia Literária/ Outras Palavras, 2021) e Resgatar a função social da economia (Elefante/Outras Palavras, 2022).