Por Daniela Chiaretti
Publicado no Valor Econômico
O mundo irá investir US$ 90 trilhões em infraestrutura de 2015 a 2030, estimou em 2014 a Comissão Global para a Economia e o Clima, grande iniciativa global que analisou oportunidades e riscos econômicos da mudança do clima. “O destino do planeta depende do que vai ser feito com estes US$ 90 trilhões”, diz o professor Ricardo Abramovay, do Instituto de Energia e Meio Ambiente da Universidade de São Paulo. “Se se continuar a investir em combustíveis fósseis, então o destino está selado.”
Autor de vários livros, Abramovay lança agora Infraestrutura para o desenvolvimento sustentável da Amazônia, com uma abordagem inovadora sobre o pensamento tradicional quando se imaginam as demandas estruturais da Amazônia. “A crise climática, a erosão da biodiversidade e o avanço das desigualdades estão provocando mudanças fundamentais na concepção do significado, e, sobretudo, dos propósitos da infraestrutura no mundo contemporâneo”, escreve o autor. O livro é um trabalho de pesquisa feito para o GT Infra e Justiça Socioambiental, que reúne 40 organizações preocupadas com a Amazônia.
A pesquisa do sociólogo sobre o tema indica novos caminhos. Cita, por exemplo, a iniciativa do Instituto Nacional de Ciências Aplicadas, rede de grandes escolas de engenharia da França, e do Shift Project. “Lançaram um manifesto voltado a mudar a formação escolar do engenheiro do século XXI para que ele tenha em seu centro a luta contra a crise climática e a erosão da biodiversidade”, diz Abramovay.
O Índice de Progresso Social mostra que 98% dos municípios amazônicos têm condições de vida piores que os do resto do Brasil. Um milhão de pessoas não têm acesso à energia elétrica. Dois terços das cidades da região não possuem saneamento básico. “As deficiências na conexão à internet são generalizadas, apesar da disponibilidade de técnicas que poderiam solucionar este que está certamente entre os mais importantes obstáculos do desenvolvimento sustentável da Amazônia”, cita ele.
A análise do autor observa quatro dimensões da infraestrutura no mundo atual que deveriam ser aplicadas à região. A primeira é a que enxerga a natureza como infraestrutura. “É a vertente mais importante. Dali depende a luta contra a crise climática”, disse Abramovay ao Valor.
São as soluções baseadas na natureza. Estas opções naturais são importantes, também, nas cidades amazônicas. Em Belém, o asfalto custa cinco vezes mais do que em São Paulo, e derrete. Belém tem 14 bacias hidrográficas. “Reduzir a impermeabilização urbana é uma forma de aderira soluções baseadas na natureza para enfrentar a gestão das águas”, escreve.
A segunda frente é a infraestrutura da economia do cuidado – que se traduz, basicamente, no cuidado com as pessoas. A terceira é formada “por dispositivos básicos da vida social e econômica contemporânea – acesso à internet, água, saneamento, energia elétrica, mobilidade e equipamentos que permitam melhorar a qualidade daquilo que se produz, que se vende e que se consome”, escreve o autor.
Por fim, o que ele chama de “infraestrutura imaterial”, que se refere a um conjunto de organizações que podem estimular a formalização dos negócios assim como a atuação de seus atores de modo conjunto, em cooperativas, por exemplo. Bem como a inserção dos produtos em mercados e com atributos como selos de certificação que atestem sua qualidade.
Cita um trabalho da Conexus que localizou empreendimentos de bioeconomia nas áreas florestais da Amazônia e observou que apenas 20% das iniciativas faziam beneficiamento dos produtos pescados ou coletados localmente. Ou seja: 80% desses produtos corriam o risco de estragar. “Fortalecer as capacidades de processamento é fundamental. Ter gelo para os produtos pesqueiros, por exemplo”, diz.
“É preciso ter infraestrutura necessária para a economia da sociobiodiversidade florestal e para as pessoas na Amazônia. Existe algo sobre isso, mas é pouco sistematizado”, continua Abramovay. “É um trabalho que não pode se limitar às florestas, tem que entrar, por exemplo, na agropecuária”, diz. Abramovay cita São Félix do Xingu, o município que mais emite gases-estufa na Amazônia. “Tem um enorme potencial representado pelo esterco animal, que pode ser usado para biogás, por exemplo.”
Uma das recomendações do livro é o estabelecimento de um observatório de desenvolvimento e das infraestruturas voltadas ao uso sustentável da biodiversidade na Amazônia, que tenha diálogo com as políticas públicas e metas quantificáveis que permitam melhorar os indicadores socioeconômicos da região.
Outra ideia de Abramovay é criar uma espécie de “Sebrae da floresta”, que forme capacidades para os desafios da economia da sociobiodiversidade florestal. Outra ideia é introduzir no currículo escolar, em todos os níveis, disciplinas que mostrem as nefastas consequências da destruição da floresta. “Os planejadores tradicionais não incorporam estas visões. Só pensam na infraestrutura tradicional”, diz. Incorporar estes e outros dispositivos é revolucionário e necessário para que a floresta não venha abaixo.