Organizar a rebelião para deter o extrativismo

Por Raúl Zibechi
Publicado em La Jornada e traduzido por Cepat

 

São múltiplas e simultâneas. São tormentas ambientais, militares, políticas, paramilitares, econômicas, feminicidas. É o narcotráfico como braço dos poderosos e estados. É uma política de acumulação de capital e poder, predatória de tudo o que passa pelo seu caminho. A violência se tornou o principal argumento das classes dominantes.

O espaço não é suficiente para nomeá-las, mas se resumem em morte e destruição. Esse é o capitalismo realmente existente que na América Latina não para de avançar sobre cadáveres, humanos e não humanos, seres vivos, rios, serras e pradarias.

Nas últimas semanas, governos e classes dominantes empreenderam diversas formas de ataque aos povos, que revelam como o poder aperta com suas garras. A comunidade autônoma de Temucuicui, um povoado mapuche no sul do Chile, foi atacada por carabineiros, com o saldo de um ferido grave e a queima da colheita de trigo.

Não é a primeira vez que esta comunidade sofre repressão, nem será a última. Contudo, queimar os alimentos é algo muito grave. No dia 10 de fevereiro, apreenderam 80 toneladas de trigo e, na semana passada, queimaram 50 hectares da comunidade sem colher. “Carabineiros reprimiram violentamente os trabalhos de colheita, vinte pessoas ficaram feridas com balas de aço” e o comuneiro Hugo Queipul em estado grave.

O comunicado da comunidade autônoma acrescenta que “este ato é a simples reiteração do tratamento do Estado terrorista chileno ao povo mapuche, que durante o século XIX queimava as ruka [casas], as colheitas e roubava o gado para ser entregue aos colonos expatriados que fugiam da pobreza na Europa”.

Na Guatemala, o jornalismo está sendo criminalizado e perseguido. Um juiz iniciou uma investigação contra um grupo de jornalistas de elPeriódico por “obstrução à justiça”. Com toda razão, a justiça teme as investigações jornalísticas, pois expõem a miséria do sistema.

“O objetivo final é destruir o jornalismo independente como espaço democrático por excelência, ou contaminá-lo o suficiente para que as vozes mais suspeitas se calem, se apliquem a autocensura e renunciem a enfrentar o poder”, aponta La Prensa Gráfica.

O Movimento de Libertação dos Povos também está sendo obstruído para que não possa apresentar candidatos, em uma atitude que lembra a ditadura de Daniel Ortega. Contudo, autoriza-se a candidatura de Zury Ríos, filha do ditador Efraín Ríos Montt, expressamente proibida pela Constituição, ou de corruptos, julgados e condenados por instâncias internacionais.

Afirma-se que El Salvador, Honduras e Guatemala (além da Nicarágua) não são mais democracias. Alguma vez foram? Que democracia pode ser construída sobre a pobreza de 70% da população, a marginalização e a violência?

Terminamos este breve relato com a Argentina. A Unicef afirma que 66% das crianças são pobres e que 87% das famílias dos bairros populares têm dificuldades de acesso aos alimentos. O jornalista Darío Aranda afirma que “assim como há 200 anos, a principal ideia dos governantes locais é ser fornecedor de matérias-primas, o que é justamente uma das principais causas da pobreza e da dependência”.

Acrescenta: “Suas propostas para sair da crise foram as mesmas de 2022: mais megamineração, mais agronegócio, mais exploração de petróleo e lítio”. Não querem ir além de repetir o mesmo que já fracassou e que está na base dos problemas atuais. Alberto Fernández, o presidente argentino, parece estar copiando AMLO, no sentido de resolver a violência com mais armas na rua. Diante da ofensiva narcotraficante em Rosário, sua resposta é enviar policiais e militares.

Nos países mencionados, há governos tanto de direita como de esquerda, conservadores e progressistas. Mas, todos fazem exatamente a mesma coisa. Alguns com melhores modos. Outros mais brutos. O que não se questiona é o modelo de acumulação por espoliação. O único debate realmente existente é como gerir um modelo que nem a direita e nem a esquerda discutem: uma realidade que é impossível esconder com eleições e com direitos.

Pregam-nos direitos quando o extrativismo os viola sistematicamente. Utilizam os bens comuns para pagar a dívida externa, satisfazer as multinacionais e os grupos dominantes. Por isso, Aranda conclui: “Os governos não pensam na próxima geração, mas, sim, na próxima eleição. Nas áreas devastadas pelo modelo, já se fala em “ditadura mineira”.

Não se derrota o modelo a partir das instituições, mas pela ação direta de baixo. Podemos aprender com os povos originários e com as mulheres que lutam: não é com decretos e leis que se detém o extrativismo, mas com a rebelião organizada.

 

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