Tudo piorou, e o decênio é ainda mais decisivo


A Elefante está lançando uma segunda edição de O decênio decisivo: propostas para uma política de sobrevivência, livro de Luiz Marques que, a partir de uma série de dados, aponta que estamos no limite para romper com pilares do capitalismo e evitar uma catástrofe ainda maior no planeta. Segue abaixo a primeira parte do prefácio inédito escrito pelo autor.


Por Luiz Marques

A primeira edição de O decênio decisivo apareceu em abril de 2023, com a quase totalidade de seus dados remontando a 2022. Atualizá-los integralmente retardaria demais esta segunda edição, que, portanto, diverge da primeira apenas pela adjunção deste prefácio. O título do livro continua significando que o presente decênio é o último em que as sociedades humanas podem desacelerar e amenizar significativamente o processo em curso de colapso socioambiental, aumentando nossas chances de adaptação.

Desde 2023, porém, tudo piorou: intensificação das guerras na Europa e na África, genocídio do povo palestino, avanço da extrema direita e do negacionismo explícito. Entre junho de 2024 e fevereiro de 2025, as eleições no Parlamento Europeu, na França e na Alemanha confirmaram o avanço dos partidos de extrema direita, que têm atraído para a sua órbita ideológica os partidos da direita liberal. As regressões do chamado “Pacto Verde” europeu (2019-2024) se acumulam. Em 14 de novembro de 2024, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, anunciou o adiamento da lei contra o desmatamento, o último texto desse Pacto ainda não anulado.

Segundo a eurodeputada francesa Marie Toussaint, “800 mil campos de futebol serão destruídos [na Europa] nos próximos doze meses”. Na Grã-Bretanha, a escalada da repressão aos movimentos ecológicos coloca o país na vanguarda da criminalização dessas mobilizações pacíficas na Europa, tratadas agora como “ecoterroristas”. Assim, em março de 2025, 16 ativistas britânicos foram condenados, coletivamente, a 41 anos de cadeia por desobediência civil.

Nos Estados Unidos, a eleição de Donald Trump representa a culminância da auto-destruição dessa sociedade, bem como de seu controle distópico pelas Big Tech. Na América Latina, houve avanços no campo progressista em eleições na Colômbia, no Chile, no México, no Uruguai e no Brasil. Mas a vitória de Javier Milei em 2023 na Argentina representa uma regressão sem precedentes em nosso continente. Também o cenário nacional é regressivo. É claro que, ao se reeleger, Lula salvou o país do pior. Devemos-lhe, por isso, eterna gratidão. Mas as esperanças de que seu governo deixe uma marca socioambientalmente progressista esvaem-se dia a dia. Mais ainda que no passado, Lula tem orientado seu terceiro mandato (2023-2026) em função dos interesses retrógrados e negacionistas do petróleo, da mineração e do agronegócio.

Dado que o decênio decisivo está claramente decidindo por nós, os anos 2030 imporão aos habitantes deste planeta um aquecimento médio na casa de 2°C acima do período pré-industrial, uma temperatura média não experimentada no planeta em todo o Quaternário (os últimos 2,5 milhões de anos).

Nada garante nossa adaptação a esse nível de aquecimento e, sobretudo, à sua velocidade crescente. Igualmente crescente é o empobrecimento da biota planetária. No território brasileiro, o quadro de deterioração da biosfera é brutal, segundo as últimas avaliações do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (CNCFlora/JBRJ).  Somadas as espécies animais e vegetais avaliadas por essas duas instituições, 4.467 estão ameaçadas de extinção no Brasil, sendo 1.044 espécies criticamente ameaçadas e seis espécies de pequenas aves, mamíferos e anfíbios já extintas. Nos Estados Unidos, entre 2000 e 2022, a abundância populacional de 554 espécies registradas de borboletas caiu em média 22%.

O aquecimento climático e o esgarçamento da rede interdependente das espécies ganham, em suma, cada vez mais ímpeto, com uma correlativa diminuição da capacidade humana de amenizar esses processos e adaptar-se aos seus impactos. […]

 


Luiz Marques é professor livre-docente aposentado e colaborador do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde foi cofundador do curso de pós-graduação em História da Arte. Foi pesquisador convidado no Institut Français de Florence e é autor de ensaios, livros e catálogos sobre a tradição clássica, sobretudo no âmbito da história da arte da Itália dos séculos XIII ao XVI. Entre 1995 e 1997, foi curador-chefe do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Nos últimos quinze anos, tem se dedicado à docência e a pesquisas sobre as crises socioambientais contemporâneas. Nessa qualidade, foi professor convidado na Universidade de Leiden, na Holanda, e publicou artigos e livros. Diversos de seus textos estão em https://unicamp.academia.edu/LuizMarques.

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