O livro mais completo sobre alimentos ultraprocessados

 

O Brasil tem algumas das políticas (e das histórias) mais bonitas de promoção da alimentação adequada e saudável. Também foi aqui que se criou a hipótese de que um grupo específico de itens alimentícios é o responsável pela explosão nos índices de doenças crônicas associadas à nutrição. Esse encontro resultou em um guia alimentar que é referência global. Então, por que você deveria ler o que um gringo tem a dizer sobre isso? Porque Gente ultraprocessada é uma das narrativas mais completas já produzidas sobre alimentos ultraprocessados (AUPs). E porque, ao fim e ao cabo, os gringos são quem mais entende do assunto — nos Estados Unidos e no Reino Unido, 60% da energia diária das pessoas é proveniente desse tipo de comida industrializada.

Chris van Tulleken fez uma aposta: duvidou da hipótese formulada por Carlos Monteiro e pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da Universidade de São Paulo. Médico e britânico, ele não via sentido na tese dos pesquisadores brasileiros, que apontavam os AUPs como os principais causadores da pandemia de obesidade. Na dúvida, o jeito foi fazer um experimento. Começa então uma jornada na qual Van Tulleken coloca o próprio corpo à prova: ele radicaliza a dieta para, durante algumas semanas, comer basicamente ultraprocessados. A hipótese aventada pelo autor — e por muitos de seus colegas de laboratório — é de que nada em especial aconteceria.

No fim, Van Tulleken percebeu que (aviso de spoiler) estava errado. E deu o braço a torcer, reconhecendo a grande contribuição de Monteiro para a compreensão dos efeitos dos AUPs sobre o corpo humano e a saúde pública. Ao recontar esse auto-experimento, busca esmiuçar como é possível criar tecnologicamente sabores, cores e texturas que, sob uma certa perspectiva, superam os próprios alimentos nos quais se inspiraram. O que dizer de um iogurte “de morango” que não tem morango algum? Ou de um macarrão instantâneo com pozinho de “galinha caipira”?

O autor conversa com profissionais da indústria e engenheiros de alimentos que falam sobre o papel dos aditivos alimentares, e explora os campos da ciência que têm apresentado descobertas surpreendentes sobre a maneira como nosso organismo interpreta essas substâncias. A classificação NOVA proposta por Monteiro começou olhando para a saúde humana, mas converteu-se em um modo de entender como o sistema alimentar hegemônico está falido. Gente ultraprocessada é um convite divertido, comprometido e fascinante para percorrer esse caminho.

 

João Peres é repórter e editor do portal O Joio e O Trigo, autor de Corumbiara, caso enterrado (2015) e coautor de Roucos e sufocados (2018) e Donos do mercado (2020), todos publicados pela Elefante.

 

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