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Agro é Super, Agro é Hiper, Agro é Ultra

Donos do mercado revela a íntima aliança entre agronegócio e grandes redes de super e hipermercados para vender "alimentos" ultraprocessados que prejudicam a nossa saúde

O Ministério da Agricultura resolveu palpitar sobre o Guia alimentar para a população brasileira, um assunto da alçada do Ministério da Saúde. Por quais razões? Ora, se o documento alerta sobre os riscos do consumo de alimentos ultraprocessados, não deveria estar de acordo com o que pensam os responsáveis pela pasta que cuida dos produtos da terra? Não, claro que não.

O lançamento da Editora Elefante, Donos do mercado: como os grandes supermercados exploram trabalhadores, fornecedores e a sociedade, de Victor Matioli e João Peres, repórteres do site O Joio e O Trigo, nos ajuda o compreender que, por trás dessa controvérsia, está uma ampla aliança entre o agronegócio e as grandes redes de super e hipermercados.

Referência mundial em segurança alimentar, o Guia alimentar para a população brasileira classifica os alimentos em in natura (frutas, verduras, legumes, sementes tais como os encontramos na natureza), minimamente processados (alimentos que passaram por processos simples de manipulação, como secagem ou moagem), processados (que assim se tornam adicionando-se sal, açúcar ou óleos naturais em sua composição) e ultraprocessados (boa parte produzidos a partir de uma base de farinha, gordura, açúcar e sal, acrescida por compostos químicos).

Conhecidos como corantes, emulsificantes, conservantes, realçadores de sabor, tais compostos dão forma, textura, aroma e sabor a produtos com baixo valor nutricional e alto índice calórico: em resumo, uma bomba para a saúde humana, que costuma responder ao consumo excessivo desses elementos com diabetes e hipertensão, por exemplo. Mas, quem fornece a matéria-prima para a fabricação dos alimentos ultraprocessados?

Sim, o agronegócio, razão de ser do Ministério da Agricultura. O Agro, como tem sido carinhosamente chamado no Brasil, incentiva a produção de toneladas e toneladas de milho, soja e cana-de-açúcar, tanto para virar ração em fazendas de porcos na China e alhures quanto para se tornar massa para a pseudocomida humana sintetizada nas multinacionais alimentícias. Sua atuação definitivamente não tem se esmerado em garantir a segurança alimentar do brasileiro. E você tem muito mais a ver com isso do que imagina.

Donos do mercado propõe uma reflexão sobre como as práticas de alimentação contemporâneas compõem uma cadeia complexa, cujos produtos, via de regra, partem no agronegócio, são processados na indústria e dispostos em seguida em supermercados, para serem finalmente consumidos irrefletidamente por nós.

Mas o livro não se limita a apontar as conexões e interesses mútuos na produção e circulação de alimentos, analisando suas consequências funestas, que vão da falência do pequeno produtor, em uma ponta, ao adoecimento da população, na outra. No meio de tudo isso, o supermercado, cuja fatia de lucro proveniente dos ultraprocessados cresce ano após ano, sem os “inconvenientes” dos alimentos in natura, que estragam, precisam ser constantemente repostos e nem sempre podem ser obtidos de grandes produtores dispostos a aceitar os valores oferecidos.

A partir de dados do IBGE, os autores demonstram a queda do consumo de alimentos como arroz e feijão pelos brasileiros, que passaram nos últimos anos a ingerir uma quantidade maior dos ultraprocessados, associados em inúmeras pesquisas científicas à obesidade e desenvolvimento de doenças crônicas.

E quem mais sofre são os mais pobres, claro. O suco em pó é mais prático para a mãe exaurida pelo trabalho braçal, além de mais barato para a família que sobrevive com um salário mínimo. De quebra, lhes proporciona a sensação de tomar parte no maravilhoso mundo prometido pela propaganda dos alimentos industriais. Sem ter como complementar sua dieta com suplementos ou acessar as benesses da medicina diagnóstica, dependem do SUS para remediar os prejuízos da falta prolongada de nutrientes e do excesso de ingredientes tóxicos ao organismo propagados pelos ultraprocessados, que para muitos, nem comida é.

Disseminar desinformação sobre o que de fato constitui uma dieta saudável colabora para a piora da qualidade de vida do brasileiro. Ao mesmo tempo, como salientam os autores de Donos do mercado, o consumo de ultraprocessados tende a aumentar os custos do SUS. Definitivamente, uma eventual censura ao Guia alimentar para a população brasileira só favorecerá os grandes negócios que orbitam em torno do Ministério da Agricultura.

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