‘Alimentação saudável é um direito, mas nem sempre uma escolha’

No Brasil, morre-se mais por homicídios ou em decorrência do consumo de alimentos ultraprocessados? Essa pergunta foi feita pela chef de cozinha, ativista e escritora Bela Gil ao rapper e apresentador Mano Brown, no episódio Saúde, alimentação e raça, do podcast Mano a Mano, que foi ao ar no final de julho. O programa, comandado pelo vocalista dos Racionais MC’s, é um dos principais programas do gênero no Brasil e já recebeu grandes nomes como Lula, Conceição Evaristo, Sueli Carneiro e Angela Davis. 

No episódio com Bela, que também teve a presença da médica de família e comunidades Denize Ornelas, o papo foi principalmente sobre a saúde da população negra através da alimentação, o combate à fome e o acesso à nutrição. Dado os tópicos da conversa, você já deve imaginar a resposta para a pergunta no início deste texto. E o número que a acompanha é assustador: são 60 mil mortes, anualmente, de pessoas com idade entre 30 e 60 anos, por conta do consumo de alimentos ultraprocessados.

Os produtos da indústria alimentícia são grandes promotores de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes e hipertensão, além de contribuírem para a destruição da natureza, já que se apoiam sobre monoculturas de commodities como soja, trigo, milho e cana-de-açúcar. Tudo fica ainda mais grave quando pensamos o quanto essa indústria é lucrativa. “Nosso povo está sendo assassinado pela boca”, cravou Brown, durante o episódio. Há quem ganhe rios de dinheiro com isso.

É um projeto de domínio, afirma Bela Gil. No programa, a chef e ativista também fala da necessidade de redistribuição do trabalho doméstico como uma das formas de garantir o acesso à alimentação saudável da população mais pobre. O trabalho invisível de mulheres, sobretudo negras, garante o alimento da parcela da população brasileira que tem recursos para terceirizar esse serviço. Mas quando se trata da própria alimentação e de seus familiares, essas mulheres acabam recorrendo a alimentos ultraprocessados ou de baixa qualidade nutricional, por falta de acesso ou de tempo para o preparo. “Alimentação saudável é um direito, mas nem sempre é uma escolha”, explica. 

Esses e outros pontos são tratados no episódio e no lançamento da Elefante com Bela Gil: Quem vai fazer essa comida? Mulheres, trabalho doméstico e alimentação saudável (2023), disponível em nosso site e nas melhores livrarias do país. Na obra, Bela relaciona alimentação saudável, feminismo e trabalho doméstico, complexificando um debate ignorado pelos livros de receitas e programas de culinária. A autora critica a histórica desvalorização do ato de cozinhar, com raízes escravocratas, e reivindica o pagamento de salários para o trabalho doméstico, tema da obra de pensadoras como Silvia Federici.

Ouça o episódio do Mano a Mano com Bela Gil.

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