Bela Gil lança Quem vai fazer essa comida? em SP e RJ

É com alegria que a Elefante anuncia os eventos de lançamento de Quem vai fazer essa comida?, novo livro de Bela Gil. Serão duas datas. Nesta quinta-feira (13/04), em São Paulo, no restaurante Camélia Òdòdó, na Vila Madalena, às 19h, com a presença da autora. Na quinta-feira (27/04), Bela Gil autografa exemplares na Livraria da Travessa em Botafogo, no Rio de Janeiro, também às 19h.

Quem vai fazer essa comida? discute os caminhos necessários para democratizar a alimentação saudável no Brasil. Fruto de sua experiência como chef de cozinha, apresentadora e militante agroecológica, e de suas reflexões como pesquisadora da ciência gastronômica, o livro marca um momento de transição na vida de Bela Gil. “A alimentação para mim se tornou algo muito mais social, estrutural, do que individual”, conta a autora em entrevista à Elefante. A comida é a lente pela qual Bela Gil enxerga o mundo. Ao girar essa lente para quem está atrás das panelas, conduzindo nosso olhar para a realidade das cozinhas domésticas, o que ela revela são aspectos centrais de nossa organização social.

Um divisor de águas nesse processo foi o contato que travou com o pensamento de Silvia Federici, que despertou sua atenção para o trabalho doméstico não remunerado. “A gente precisa trabalhar como sociedade para melhorar todos os aspectos e, principalmente, o trabalho doméstico, que é o cerne disso tudo, para que a comida saudável se torne democrática, para que a gente atinja a garantia do direito à alimentação saudável que está na Constituição”, afirma Bela.

 

Políticas públicas

 

Se o livro chega em um momento de transição para a autora, o mesmo pode ser dito em relação às políticas de alimentação em nosso país, que viu a fome voltar às ruas durante o governo de Jair Bolsonaro. Abandonados nos últimos quatro anos, os programas federais que garantem a produção de alimentos saudáveis e sua distribuição estão sendo retomados.“O Brasil tem uma tecnologia social para amparar e para redistribuir esse trabalho, com cozinhas comunitárias, com o Programa Nacional de Alimentação Escolar, mas na prática a gente vê que nesses últimos quatro anos foi um desmonte total de todas essas tecnologias”, aponta Bela Gil, que, no final de 2022, participou do grupo de trabalho do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), dentro da equipe de transição do governo federal.

“Quando a gente fala da democratização da alimentação saudável, a gente precisa falar de políticas públicas, porque não basta só incentivar a alimentação saudável, a gente precisa restringir o acesso aos alimentos ultraprocessados. Isso é fundamental”, ressalta. Na transição de governo, Bela Gil atuou ao lado de Tereza Campello, que comandou o MDS entre 2011 e 2016 e hoje é diretora do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Co-organizadora de Da fome à fome: diálogos com Josué de Castro (Elefante, 2022), é Campello quem assina a orelha de Quem vai fazer essa comida?:

“No cenário complexo da busca por um novo sistema alimentar que proporcione alimentos saudáveis, justos e sustentáveis para todos, a autora acrescenta um ingrediente essencial ao debate: a economia do cuidado. Com seu olhar múltiplo, Bela Gil procura traduzir e popularizar saberes científicos que vão da nutrição à política econômica, passando por previsões sobre o futuro da nutrição. E o faz conectando a alimentação com questões de gênero, raça e classe”, destaca.

 

Confira trechos da conversa de Bela Gil com a Elefante:

 

Motivações para a escrita do livro

 

Esse livro, ele vem, ele foi parido, digamos assim, num período de transição da minha vida. Eu acho que esse olhar em relação à alimentação também mudou, no sentido de que eu entendo hoje, eu tenho empatia, consigo entender que não são todas as pessoas que gostam de cozinhar ou que gostam de comer. Eu amo os dois, mas primeiro o comer. Mas eu entendi que não são todas as pessoas que gostam, e, como a gente vive em sociedade, quando eu falo dessa redistribuição do trabalho doméstico, isso não precisa estar sempre dentro de casa na responsabilidade da mulher. Isso precisa ser dividido pelas pessoas dentro de casa, não só pela questão de gênero. Tem que ir além da divisão do trabalho entre os gêneros dentro de casa e ir para a rua, para o Estado e para a sociedade. 

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Cozinhar por diversão é maravilhoso. Cozinhar por obrigação é um saco, é muito chato. Se esse trabalho for bem distribuído, não vai sobrecarregar ninguém. Se esse trabalho for reconhecido, as pessoas vão se sentir valorizadas. Se ele for bem remunerado, as pessoas vão ter a oportunidade de viver bem. São peças chaves, sabe? São conceitos que precisam ser olhados pela sociedade. A gente precisa mudar isso. Eu acho que é a única forma que a gente tem hoje. É valorizar, reconhecer, remunerar e tirar da invisibilidade o trabalho doméstico para que a gente possa vislumbrar uma sociedade livre de desigualdade, de raça, de classe e de gênero.

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Quando eu comecei a me deparar com as pesquisas, eu vi que por volta de 13% do PIB mundial vem do trabalho doméstico não remunerado e esse trabalho é feito majoritariamente por mulheres. Ninguém reconhece como trabalho, mas, se as mulheres param, o mundo colapsa. Ninguém faz mais nada. Nenhum outro trabalho seria possível se o trabalho doméstico não existisse. A gente não tem como criar uma receita enquanto a pia de louça está suja. Alguém tem que lavar louça, alguém tem que guardar roupa, alguém tem que lavar roupa, alguém tem que cozinhar. Para que a gente possa filosofar, para que a gente possa estudar, pra que a gente possa, enfim, fazer outras coisas. Eu entendi que esse é o cerne. O berço da nossa sociedade, como foi instaurada, está nesse lugar e ninguém olha pra isso. 

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Sabe quando você escreve alguma coisa para tirar um peso de cima de você? O meu filho tinha menos de três anos, ainda amamentava. Eu estava fazendo mestrado, aí tinha coisas de trabalho remoto que eu tinha que fazer. Era muito peso em cima de mim, muita coisa em cima de mim. Então eu parei e falei: como assim? Não dá, não quero mais isso. Como pode? A gente precisa olhar para isso. Não tem como a gente dar conta de tudo. E eu não quero dar conta de tudo. Então foi um jeito de colocar aquela raiva pra fora. Então esse livro é meio isso: olhem pra isso porque é importante. As mulheres estão pirando porque esse trabalho cai no nosso colo, de um jeito ou de outro. É também um manifesto, diria. Foi por causa dessa sensação minha, de que não dava mais. Eu falei assim: não dá mais pra mim, não dá mais pra muita gente. Então eu vou escrever sobre isso.

 

O encontro com o pensamento de Silva Federici

 

A Silvia Federici foi a primeira pessoa que me despertou esse olhar para a questão do trabalho doméstico. Eu li um livro, da Elefante inclusive, chamado O ponto zero da revolução, que foi um divisor de águas nessa minha visão da alimentação. A alimentação para mim se tornou algo muito mais social, estrutural, do que individual. É aquele momento que você fala: “Cara, não dá mais para jogar toda a responsabilidade no indivíduo, é impossível”. Uma pessoa não pode fazer uma boa escolha sozinha, não tem como. Ela precisa de todo um aparato, todo um apoio, todo um contexto para que ela consiga fazer uma boa escolha, e eu queria colocar isso no livro. Não é falar pra pessoa: “Você precisa comer bem”. Como? Quanto custa? Quanto tempo leva? Como eu vou fazer isso? Como eu encaixo isso na minha vida? Não é uma equação simples, e a Silvia Federici foi a primeira pessoa que me fez olhar para a questão do trabalho doméstico, para a questão de reconhecer isso como um trabalho mesmo.

 

O peso do trabalho doméstico na disputa entre alimentação saudável e o consumo de ultraprocessados

 

A gente sabe que o consumo de produtos ultraprocessados está adoecendo a sociedade, 70% das mortes no Brasil são causadas por doenças crônicas não transmissíveis. Câncer, diabetes, doenças do coração e tudo mais que está diretamente relacionado ao seu estilo de vida, a alimentação está completamente incluída nisso. A literatura já mostra, a gente já sabe que a comida de panela, que é a comida de verdade, é uma forma de a gente prevenir essas doenças. É uma forma de a gente se manter saudável, ativo e feliz na nossa sociedade. A gente precisa incentivar essa alimentação. A pergunta que fica é: quem é que vai fazer essa comida? O objetivo desse livro é convencer as pessoas de que, sim, a comida de verdade, a comida de panela, é fundamental. Mostrar que alguém precisa fazer essa comida, mas que essa responsabilidade não é só dela, não é só do indivíduo. A gente precisa trabalhar como sociedade para melhorar todos os aspectos e principalmente o trabalho doméstico, que é o cerne disso tudo, para que a comida saudável se torne democrática, para que a gente atinja, na verdade, o direito à alimentação saudável que está na Constituição.

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Fazer uma comida requer tempo, trabalho, planejamento. E você consumir um ultraprocessado, você abre um pacotinho, tá ali, pronto. Essa questão da praticidade pesa muito e eu queria escancarar o fato de que, pra gente comer bem, a gente precisa comer uma comida que alguém fez. Quem é que vai fazer essa comida? Vão ser sempre mulheres migrantes, mulheres pretas, da periferia? Quem são essas pessoas? Por que esse trabalho está muitas vezes invisibilizado? Esse trabalho não é reconhecido, ele não é bem remunerado. Então eu queria fazer com que as pessoas enxergassem que, pra gente comer bem, a gente precisa mais do que o acesso ao alimento.

 

Políticas públicas para democratizar a alimentação saudável

 

Tive o privilégio e a honra de fazer parte da equipe de transição de governo no grupo de transição do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, junto com a Tereza Campello. Eu entendi todas as outras políticas públicas maravilhosas que a gente tem, que realmente nos ajudam como indivíduo. O Brasil tem uma tecnologia social para amparar e para redistribuir esse trabalho, para tirar o trabalho doméstico do âmbito doméstico. O Programa Nacional de Alimentação Escolar, por exemplo, é fundamental. Se eu não posso fazer o almoço do meu filho, mas eu sei que ele está sendo bem alimentado na escola, isso é maravilhoso. Eu não preciso fazer o almoço dele todos os dias: tem uma merendeira maravilhosa fazendo uma comida incrível pra ele. Isso deveria ser o padrão, sabe? Então, o Brasil já pensa na redistribuição deste trabalho, mas na prática a gente vê que nesses últimos quatro anos, por exemplo, foi um desmonte total de todas essas tecnologias sociais maravilhosas. 

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A gente precisa restringir o acesso aos alimentos ultraprocessados. Isso é fundamental. A gente precisa colocar um limite, uma barreira. A gente fez isso com o cigarro, deu muito certo, e a gente precisa fazer isso com alimentos com alto teor de açúcar, de gordura. Por exemplo: refrigerante. A gente sabe que não tem nenhum atributo nutricional, não faz bem pra nada. Não devemos ter subsídio para isso. Vai ser taxado, porque isso é um custo gigantesco para a saúde pública. Então vamos refazer aqui a lógica, que é o contrário do que acontece hoje. Do imposto que a gente paga, vai ali uma quantidade para produção de refrigerante. Por que eu estou incentivando a produção de um produto que faz muito mal e que acaba, como consequência, adoecendo a sociedade e, com isso, trazendo um custo muito alto para a saúde?

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