Na ocasião em que completa seus 70 anos, é bastante significativo que a 34ª Bienal de São Paulo seja a edição com a maior quantidade de artistas indígenas de sua história: cinco representantes de povos que habitam o que hoje conhecemos como Brasil e quatro de outros lugares do mundo. O tema desta edição é “Faz escuro mas eu canto”, verso do poeta amazonense Thiago de Mello, do poema “Madrugada Camponesa”, de 1965. No total, a mostra reúne mais de 1.100 trabalhos de 91 artistas de todos os continentes.
Entre os artistas indígenas, chamamos a atenção para Jaider Esbell, do povo Macuxi da Reserva Raposa Serra do Sol, de Roraima. Jaider é também curador, escritor, educador, ativista, promotor e agitador cultural, além de um teórico de arte indígena com passagens por museus e mostras internacionais. Faz parte da sua conceituação o embate direto contra os sistemas artísticos hegemônicos e as estratégias de colonização. Ele está apresentando sua obra na 34ª Bienal não apenas como artista, mas como curador: seu trabalho pode ser conferido ao lado do Pavilhão da Bienal, no Museu de Arte Moderna (MAM).
Desde 2013, quando organizou o I Encontro de Todos os Povos, Esbell assumiu um papel central no movimento de consolidação da Arte Indígena Contemporânea no contexto brasileiro. Em sua primeira obra literária, Terreiro de Makunaima: mitos, lendas e estórias em vivências (2010), Esbell se identifica como neto de Macunaíma e defende a reapropriação da figura pelos indígenas, considerando que, na cultura macuxi, Makunaima é um dos “filhos do Sol”, responsável pela criação mítica de todas as plantas comestíveis existentes na mata — muito diferente do anti-herói de Mário de Andrade.
Essa reinvindicação também é o mote da peça de teatro Makunaimã: o mito através do tempo, que traz as vozes indígenas pemon, taurepang, wapichana e macuxi, povos que são herdeiros legítimos de Makunaimã. No livro, os povos originários reclamam dentro da própria casa de Mário de Andrade o Macunaíma estereotipado, que mistura histórias e culturas indígenas diferentes para compreender a formação do povo brasileiro, a partir do nosso sagrado. As ilustrações de Makunaimã, e não poderia ser de outra forma, são assinadas por Jaider Esbell.
Nas palavras de Cristino Wapichana, no préfácio: Makunaimã: o mito através do tempo é um livro revolucionário, que traz à tona vozes e visões do outro lado — o indígena —, que por noventa anos esteve totalmente invisível, sendo reiteradamente desrespeitado em sua existência e em seu sagrado.
“O colonizador se apropriou de quase tudo que o indígena tinha, condicionando as culturas originárias a repetir padrões da religião, da moral e da arte europeias. Agora, querem se apropriar também do que não entendem: o mistério, a magia”, diz Esbell, em entrevista ao Amazônia Real.