O Brasil sempre foi o país do agronegócio. Só que não.
Cana de açúcar, café, borracha, pecuária, milho, soja: desde 1500, quem dá as cartas no Brasil são os latifundiários. Olhando para o país em 2021, com uma bancada ruralista que domina o Congresso e a dependência total das exportações de grãos para a China, somos tentados a dizer: “O agronegócio sempre mandou nesse país”.
O livro Formação política do agronegócio é uma chance e tanto para complexificar essa visão. O antropólogo Caio Pompeia apresenta a genealogia do agronegócio no Brasil. Se é verdade que os ciclos econômicos agrícolas foram centrais durante esses 521 anos, também é verdade que uma articulação entre os vários setores do campo é algo muito recente.
O conceito de agronegócio, cunhado nos Estados Unidos dos anos 1950, começou a ser mobilizado no Brasil com mais força nos anos 1990, e especialmente na virada do século. Do mesmo modo, a bancada ruralista como a conhecemos hoje só surgiu com a Constituição de 1988, e só se tornou a manda-chuva do Congresso ao longo dos governos Lula-Dilma.
Outra tese comum é contestada por Pompeia: o livro mostra que nem todos os presidentes deixaram as portas do Planalto abertas ao agro. Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), por exemplo, titubeou entre reconhecer a força econômica do setor e a ideia de que se tratava do passado – o futuro seria a indústria. Mas, claro, nunca faltou ao agronegócio a força necessária para entrar no palácio, convidado ou não.
Confira abaixo um resumo de como cada presidente lidou com esse setor.
Fernando Henrique Cardoso
Relutante: esta é a palavra que define a postura do governo FHC em abraçar o conceito de agronegócio como prioridade. Formação política do agronegócio analisa como essa ideia de olhar a agricultura de maneira integrada à indústria e ao comércio avançou nos anos 1990, em paralelo à conformação da bancada ruralista no Congresso, mas ainda em clima de desmonte das políticas públicas de fomento ao setor. O próprio FHC exaltava o papel da agricultura e passou a usar o termo “agronegócio”. A política externa veio a ser mais ativa na promoção dos interesses das corporações do setor, mas ainda havia reservas do governo em relação a esse setor.
Lula
Nunca antes na história deste país o termo “agronegócio” esteve tão em evidência. Foi durante o governo Lula que esse conceito se consolidou, inclusive com a nomeação de um dos entusiastas da ideia para o Ministério da Agricultura e a incorporação, ao plano de governo, de algumas das principais reivindicações do setor. Se os anos Lula acompanharam o boom da soja, da pecuária e do milho, com muitas políticas públicas e cofre aberto, não foram suficientes para fazer desaparecer as queixas do setor, eternamente insatisfeito com o poder público. A mobilização de políticas públicas contrárias aos interesses das corporações da área foi um ponto constante de atritos.
Dilma
O agronegócio atinge o ápice no governo Dilma. Contra o governo Dilma. Formação política do agronegócio mostra como a inédita articulação entre os setores da agropecuária, dentro e fora da porteira, resultou numa força política sem precedentes em termos de capacidade de determinar os rumos dos poderes Legislativo e Executivo. A interrupção do processo de reforma agrária, a nomeação de uma conhecida líder ruralista para o Ministério da Agricultura, o freio no combate ao trabalho escravo: nada disso foi suficiente para atenuar o ímpeto do agronegócio, que teve papel central na derrubada da presidente.
Temer
Ungido pelo agronegócio, Michel Temer nunca demonstrou ingratidão. O presidente articulou abertamente com os empresários do setor a derrubada de Dilma Rousseff, e antes mesmo da consolidação do processo de impeachment se comprometeu com uma ampla agenda entregue pelo setor. O livro analisou as articulações para aproveitar o governo Temer para passar a boiada. Mas, como se sabe, a boiada é tão grande que ainda não acabou de passar.
Bolsonaro
Enquanto os líderes do agronegócio se articulavam em Brasília em torno de um candidato do PSDB à Presidência da República, Jair Bolsonaro rodava as pequenas cidades do país oferecendo um futuro de armas, desmatamento e monocultura. O livro examina como os setores predominantes da agricultura patronal hesitaram em aderir à agenda retrógrada, que se casou perfeitamente ao resgate da União Democrática Ruralista (UDR). Governar, porém, é outra história, e Bolsonaro teve de ceder às organizações mais importantes do setor, nomeando Tereza Cristina para a Agricultura. Porém, como estamos vendo, o incontível ímpeto do presidente por aquilo que pode haver de mais atrasado oferece atritos constantes com os líderes de segmentos que perdem dinheiro com a fanfarronice e a Amazônia em chamas.