
Gaza, no coração e nas palavras, é fronteira moral diante do horror
Por Paulo Silva Junior
Elefante na Sala
Gaza é, de alguma forma, o centro do mundo. O genocídio que atinge os palestinos representa uma absoluta crise de humanidade. E nos angustia. Daqui, a solidariedade acaba sendo um fio condutor para reunir uma coletânea de textos, pensamentos, relatos e articulações que, pela palavra, tentam qualificar o debate e nos aproximar desse grande horror do nosso tempo. Por meio de um livro, estabelecer um compromisso ético e, por que não, uma declaração de esperança.
O Elefante na Sala é o podcast da Editora Elefante, disponível nas plataformas de streaming (link para Spotify e Youtube) e no player acima. Você nos apoia curtindo, seguindo e avaliando nossos canais. Nesta primeira temporada, a partir de março de 2025, vamos trazer uma série de conversas com autores do nosso catálogo, com novos episódios às quintas-feiras. O quarto programa trata de Gaza no coração: história, resistência e solidariedade na Palestina, num papo com o organizador Rafael Domingos Oliveira. A transcrição está abaixo, e estará sempre aqui no nosso blog e na seção Podcast.
Rafael, queria começar com uma apresentação desse trabalho, saber um pouco dessa seleção de 47 textos, das referências à cultura palestina, como na arte da capa, e da própria referência histórica desse título. Apresenta um pouco para a gente o projeto.
O Gaza no coração é uma antologia de textos de 47 autoras e autores, e a seleção desses nomes foi a mais plural e diversa possível. Quando eu tive a ideia e propus para a Editora Elefante que a gente apresentasse ao público essa coleção de textos, o principal objetivo era apresentar possibilidades de debate público sobre a Palestina de uma forma mais qualificada, tendo em vista que a imprensa e os debates que a gente vê nas redes sociais, no geral, são terríveis. Há um desconhecimento, uma ignorância muito grande.
E, além de um desconhecimento, na maior parte das vezes, uma posição muito evidente em relação ao genocídio, que é a de negar a perspectiva palestina, sobretudo. Então, com esse livro, o que eu desejei, e a Editora Elefante assumiu isso como um compromisso, foi oferecer para o público um arcabouço teórico, mas também de textos que refletissem histórias de lutas, de organizações, de coletivos pró-Palestina. Um arcabouço de reflexões que pudessem fundamentar melhor o debate público e que capturasse a atenção das pessoas, das leitoras e dos leitores, a partir de diferentes ângulos.
A gente elegeu alguns nomes, elencou alguns nomes de especialistas, pesquisadores que já estudam a causa palestina há muito tempo. É o caso da professora Arlene Clemesha, é o caso da professora Samira Osman, da Unifesp, é o caso do Bruno Huberman. Ao mesmo tempo, textos de figuras públicas, de pessoas que estão aí fazendo debate público, que são influenciadores, que conseguem trazer públicos diversos. É o caso da Rita Von Hunty, é o caso da Geni Núñez e de tantos outros, Thiago Ávila, lideranças de movimentos sociais que são engajados na luta palestina. Então, lideranças do Movimento Negro, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, lideranças indígenas, LGBTs, enfim, que são os movimentos sociais que historicamente construíram a história de solidariedade à Palestina no Brasil. E, além disso, judeus antissionistas, e é o caso, por exemplo, do coletivo Vozes Judaicas por Libertação, que tem desenvolvido um trabalho fundamental na discussão, da importância da luta contra o sionismo, que tem feito um lobby já há décadas no debate público.
Milton Hatoum tem um conto aqui, especialmente para o Gaza no coração, um texto do Benjamin Moser… Então, essa dimensão poética é muito importante. E isso se reflete também no próprio título do livro, que faz referência a uma obra do Pablo Neruda, de 1937, no contexto da Guerra Civil Espanhola, na América Latina.
Ele está acompanhando as notícias que chegam da Espanha e está muito angustiado. Escreve um conjunto de poemas em homenagem aos combatentes que estão lá lutando pela liberdade na Guerra Civil Espanhola. Esse livro de poemas do Neruda se chama Espanha no Coração. Então, na impossibilidade de estar lutando pela liberdade da Espanha, Neruda escreve um livro que traz a Espanha para o seu coração.
E, na capa do livro, nós temos ali um tatriz. O que é um tatriz? É um tradicional bordado palestino, milenar, patrimônio da humanidade, tombado, registrado pela Unesco, e que expressa a diversidade dos diferentes territórios palestinos, além de ser uma técnica desenvolvida e feita por mulheres. Então, o livro é todo contornado, digamos assim, por essa dimensão poética que é o principal objetivo do livro. Por meio das palavras, por meio da poesia, em meio ao horror, em meio ao genocídio, fazer com que as pessoas possam qualificar o debate e se aproximar de alguma forma do que está acontecendo em Gaza.
E tem uma coisa interessante no seu texto, na introdução, que é quando você trata dessa espécie de historicidade particular, essa ideia de que acompanhar relatos de jornalistas e fotógrafos locais acaba nos passando uma impressão de história fora do tempo. Uma certa repetição de um estado de catástrofe e de caos. Como que o historiador lida com isso, Rafael? Como a gente tenta tratar disso nesse quente dos acontecimentos?
Esse livro veio de muita angústia, não só minha, mas do nosso editor da Elefante [Tadeu Breda], com quem o projeto foi dialogado, debatido o tempo inteiro, e da angústia de quase 50 pessoas que se dedicaram a escrever. Então ele é um texto que também documenta a revolta, a indignação de testemunhas, porque esse é o primeiro genocídio televisionado da história.
As imagens que chegam de Gaza são absolutamente inomináveis, então todo mundo que tem contato com o que está acontecendo em Gaza deveria sentir essa indignação, essa revolta que nós sentimos e que redundou nesse livro. Essa ideia de uma história fora do tempo, até mesmo de uma ideia de uma história permanente, revela que, na verdade, o que a gente vê hoje em Gaza não começou no 7 de outubro. É uma forma de mostrar também para as pessoas que a história da Palestina, da ocupação israelense, das resistências palestinas, as mais diferentes formas de resistência, é uma história que tem quase 80 anos, pelo menos.
A criação do Estado de Israel em 1948 — aconteceu há 76 anos —, mas a colonização judaica na Palestina está sendo incentivada pelas organizações sionistas desde o final do século XIX, então é uma história que precisa ter um enquadramento muito maior do que o 7 de outubro. E é uma história que, em qualquer momento desse período, se a gente recorta um pedaço, a gente vai ver ali elementos que são encontrados em toda essa história: violência, expulsão, tortura, humilhação, desumanização de um lado e, de outro lado, uma população que tem encontrado diferentes formas de resistir a isso tudo. No Gaza no coração, a gente abre o livro com três trechos de um relato de um jornalista palestino chamado Mohammed Omer, que escreveu um livro traduzido no Brasil pela editora Autonomia Literária, chamado Em Estado de Choque.
Esse livro foi escrito durante a Operação Margem Protetora, em 2014, em que mais de dois mil palestinos foram assassinados por Israel. Até aquele momento, essa tinha sido uma das maiores operações de Israel e uma das mais mortíferas em Gaza. E, quando a gente olha para os relatos do Omer, em 2014, é absolutamente impossível não reconhecer como esses dez anos que nos separam daquele acontecimento não significaram nenhum tipo de superação do grau brutal de violência que se abate contra os palestinos.
Então, muitas das cenas que Omer testemunhou e relatou no seu livro são cenas que nós vemos hoje, assistimos hoje. Qualquer momento que a gente recorta, a gente identifica essa violência. Para os historiadores e historiadoras, isso é um sintoma muito evidente da continuidade e, muitas vezes, não só da continuidade, mas do aperfeiçoamento da violência colonial que aflige a vida palestina desde fins do século XIX. Uma continuidade de um processo colonial, portanto, é uma história de colonização, e que vai dando essa impressão para a gente de uma história em eterna repetição, uma história permanente. Por isso que, no livro, eu falo de uma história fora do tempo, porque, em história, a gente costuma se dedicar muito aos processos de mudança, a essa dinâmica das mudanças, das rupturas. No caso da Palestina, no caso da Cisjordânia, de Gaza, quando a gente olha, parece que essa história está se repetindo continuamente. Há poucos elementos de rupturas e mudanças. O que acontece, na verdade, é um aperfeiçoamento do aparato colonial. Então, é como se, no caso da Palestina, sempre estivéssemos no quente dos acontecimentos. Esse quente dos acontecimentos é constante e permanente.
Para a gente passar por alguns dos textos, eu queria citar, por exemplo, o que a Silvia Federici traz sob o título Em Gaza, o capitalismo reencontra sua vocação originária. Como que esse momento também nos remete a um olhar mais estrutural do nosso modo de vida? E como trazer o capitalismo para esse assunto nos atinge? Mesmo daqui, a gente participa, a gente financia essa estrutura global de alguma forma.
Quando eu propus o projeto do livro, a ideia inicial é que o livro se chamasse “A Palestina é o mundo”, que não é, claro, nenhum título muito inovador, mas que traduzia muito essa ideia de que o que acontece na Palestina é uma espécie de laboratório do que acontece e do que pode acontecer em outros territórios. Laboratório Palestina é o nome de um livro do Antony Loewenstein, que foi publicado também pela Editora Elefante, junto com Gaza no coração, e que aborda muito melhor essa ideia de exportação de tecnologias de vigilância, da violência.
E aí, depois de um tempo, a gente chegou no texto da Silvia Federici. E quando a gente entrou em contato com a Silvia para convidá-la para escrever no livro, ela enviou um texto que ela tinha escrito no início dos anos 2000, que tinha justamente esse título: A Palestina é o mundo. E aí a gente já entra no tema que ela traz no capítulo dela, que é a realização do nível mais radical do capitalismo e do seu desenvolvimento contemporâneo.
Então, ela identifica uma consequente relação entre o desenvolvimento capitalista e as guerras contra os meios de reprodução da vida social como um elemento estruturante do desenvolvimento do capitalismo mundial. E basta olhar muito rapidamente para a Palestina para ver o nível de debilitação da vida social e, portanto, é justamente uma guerra contra os meios de reprodução da vida social palestina ali ocorrendo diante da observação do mundo inteiro. A quantidade de mulheres e de crianças que são assassinadas é justamente um reflexo dessa destruição do futuro da Palestina.
Há esse elemento que quando a Sílvia escreveu o livro ainda isso não tinha acontecido, mas agora no início do mandato o Trump divulgou um vídeo chamado Trump Gaza, que é uma propaganda do interesse estadunidense de transformar a faixa de Gaza num resort de férias, a chamada Riviera do Oriente Médio. Quer dizer, esse vídeo que foi compartilhado pelo Trump assumindo ali declaradamente o interesse de realizar na faixa de Gaza não só a limpeza étnica e a expulsão dos palestinos, mas de transformar aquilo numa grande mercadoria turística. E também anterior a isso há o discurso do Benjamin Netanyahu no parlamento estadunidense, no Congresso dos Estados Unidos, assumindo ali de forma muito enfática o papel de Israel como testa de ferro dos interesses estadunidenses no Oriente Médio.
E sem contar, obviamente, do histórico apoio de Israel ao Apartheid na África do Sul, às ditaduras no Congo, o apoio de Israel à ditadura do Pinochet no Chile, que é um modelo de implementação da política e da economia neoliberal no mundo contemporâneo… O apoio de Israel no massacre na Guatemala, quer dizer, a participação de Israel em momentos-chave da história contemporânea, sem os quais a gente não consegue entender o desenvolvimento capitalista nos nossos tempos. E o papel desse Estado de Israel que comete um genocídio aberto patrocinado pela maior economia global que é os Estados Unidos. Quer dizer, cada cidadão estadunidense está, por meio de seus impostos, financiando um genocídio.
Então, o texto da Silvia Federici vai um pouco por esse caminho, demonstrando como a luta pró-Palestina, a luta contra o sionismo, não é apenas uma luta de solidariedade a algo que acontece a 10 mil quilômetros de distância. A gente está falando do futuro da humanidade.
Agora, juntando dois textos, queria começar falando da sala de aula. A professora Francirosy Campos Barbosa parte de uma pergunta que ela faz para os alunos numa universidade pública em 2024. Ela pergunta o significado da palavra Nakba, e só uma aluna sabia responder. É interessante para a gente pensar onde está esse tema no currículo, na formação de estudantes críticos também em relação ao tema. E aí eu faço a ponte também para o texto do Vladimir Safatle. Ele vai falar de dessensibilização, por conta da televisão, das redes sociais, desse desafio de lidar com as imagens, com essa violência extrema, com corpos acumulados e com imagens que, às vezes, parecem só pontos na tela do nosso celular. Então queria te ouvit, Rafael, um pouco sobre esses dois temas. Como que a gente traz essa conversa diante de um apagamento histórico? E como também a gente faz para não banalizar a imagem ao mesmo tempo que é preciso denunciar o que acontece?
A sua pergunta é muito importante, muito interessante, porque, na verdade, ela conecta os dois pontos que, para mim, são a chave para a gente pensar uma perspectiva humanizadora da vida palestina. A professora Francirosy propõe uma pedagogia da Nakba, inclusive tendo como referência uma certa pedagogia do Holocausto judeu.
Então, hoje, o tema do Holocausto e uma sensibilização em relação à perseguição sofrida pelos judeus ao longo da história, em especial, no Terceiro Reich, na Alemanha, essa sensibilização vem de um processo de compreensão que a gente tem por meio de diferentes matrizes, na escola, na literatura, no cinema. Há uma difusão de um pensamento que é capaz de reconhecer que o Holocausto foi um problema, que o Holocausto foi um horror, foi uma barbárie e que a vida dos judeus, mas não só dos judeus, a vida de todas as vítimas, de grupos que foram perseguidos pelo nazismo, mas, em especial, os judeus, é uma vida que precisa ser protegida, que precisa ser reconhecida, que precisa ser humanizada. Quando a professora Francirosy propõe uma pedagogia da Nakba, ela vem de um diagnóstico de que a perspectiva palestina dessa história toda tem sido sucessivamente solapada, silenciada, negligenciada.
Basta ver quantos autores palestinos nós conhecemos, quantos pensadores palestinos são estudados, são debatidos, discutidos, qual é a representação que o cinema, que a TV faz dos palestinos, e aqui a gente está falando dos palestinos, mas, evidentemente, a gente precisa ampliar um pouco além de pensar nos árabes de um modo mais geral. Aquilo que o pensador e intelectual palestino Edward Said definiu como uma perspectiva orientalista, ou orientalismo. Há um absoluto desconhecimento, mas um desconhecimento intencional da vida palestina, da história palestina, que vai resultar, vai ter como um dos seus resultados justamente a incapacidade de um sujeito se sensibilizar com essa vida.
É uma vida que é, de alguma forma, matável. É uma vida que é condenada, tem como destino a morte e o desaparecimento. É por isso que o que o professor Safatli chama atenção, essa dessensibilização, ocorre. Ocorre porque as pessoas não reconhecem a vida palestina. Basta a gente se perguntar, de outubro de 2023 para cá, nos grandes canais de comunicação, quantas vezes nós ouvimos um palestino falar? Quantas vezes um palestino ou uma palestina foi convidada a se manifestar publicamente num grande canal de comunicação para pautar ou refletir ou debater sobre o que está acontecendo em Gaza? E todas as vezes que intelectuais, palestinos ou não, pensadores, palestinos ou não, se manifestam num sentido de chamar atenção para a perspectiva palestina, são censurados, silenciados, chamados de terroristas. Portanto, essa banalização da vida palestina acontece em parte sim pela circulação massiva de imagens, mas eu acredito que ela acontece sobretudo porque é uma vida que já já está esvaziada de sentido e de importância há muito tempo.
Essa circulação intensa acaba criando uma espécie de normalidade. Chega um dado momento que a gente passa a achar normal ver imagens como as que a gente recebe de Gaza todos os dias. Mas também, por outro lado, essas imagens têm um papel importante de documentar o que está acontecendo nesse momento na faixa de Gaza. Eu sempre lembro de uma história muito importante de um judeu chamado Alberto Herrera, que foi aprisionado num campo de concentração durante o holocausto na Alemanha. Ele ficou aprisionado em Auschwitz-Birkenau e conseguiu por meio de uma estratégia que foi combinada e muito bem pensada tirar quatro fotografias do campo de concentração. Isso em 1944, e essas quatro fotografias tiveram um papel muito importante para a história no sentido de documentar os horrores de um campo de concentração nazista. São quatro imagens!
Por fim, Rafael, trazer os textos do Bruno Huberman, que faz parte do grupo Vozes Judaicas pela Libertação, texto que é seguido de um outro texto assinado pelo próprio coletivo. Pensar um pouco como surgem esses textos nesse debate. A gente vai ter também um apontamento muito firme da Federação Árabe Palestina do Brasil, cobrando os discursos que não dão conta de tratar do fracasso do sionismo. Queria usar esses textos para pensar numa perspectiva que, obviamente, é global, mas como é que os nossos representantes aqui do Brasil conseguem entrar nesse debate? O que a gente acrescenta a partir daqui?
O texto do Bruno Huberman e do coletivo Vozes Judaicas pela Libertação, e outros textos também, o próprio texto do Benjamin Moser, que é um judeu antissionista, além de um escritor renomado globalmente, eles são muito importantes porque eles criam uma fratura que é fundamental no discurso sionista.
O sionismo é uma ideologia que tem como principal estratégia, entre vários dos seus objetivos, sequestrar as identidades judaicas, que são diversas, plurais, muito diferentes entre si, e transformar tudo isso num bloco homogêneo, criar uma história única sobre o pertencimento, sobre a judaicidade, sobre a judeidade. E direcionar esse pertencimento, espelhar esse pertencimento na existência do Estado de Israel, tal qual ele se apresenta hoje. Essa ideologia tem um poder tão grande, ela tem uma história tão efetiva, que hoje existem até os chamados sionistas liberais, ou sionistas de esquerda, pessoas que estão do campo progressista, judeus do campo progressista, que têm um envolvimento com temas e lutas sociais que são muito importantes e que são incapazes de reconhecer, por exemplo, a história colonial de Israel, de reconhecer o Estado de Israel como um Estado racial, colonial, que promove um apartheid.
O texto, portanto, do Bruno, um dos mais importantes pesquisadores da questão palestina no Brasil, alguém que estuda o desenvolvimento do neoliberalismo em Jerusalém, tem um estudo que é referência nesse assunto, mas é um texto que é um relato pessoal de como, ao longo da sua formação subjetiva, o sionismo sequestrou a sua judeidade, e ele dá exemplos que são terríveis de como isso foi realizado na sua própria história pessoal.
O fato de judeus reconhecerem isso, virem a público e romperem com o Estado de Israel, romperem com o sionismo, isso é fundamental, porque isso possibilita que outros judeus que não têm referências diversas e plurais sobre o que significa ser judeu hoje, possam se reconhecer nesses exemplos e entender que hoje é virtualmente impossível tratar do pertencimento e da sua própria judeidade sem pensar a condição e a vida dos palestinos, a condição que os palestinos estão submetidos. E essa frase, essa frase que é tão repetida em vários lugares do mundo por judeus, “não em meu nome”, essa frase é muito poderosa. É uma palavra de ordem que é capaz de mostrar para o mundo que pessoas que precisam ir tão fundo nas suas identidades, que fraturam e precisam se abrir diante das contradições da sua própria identidade, fazem isso, conseguem fazer isso, e o fazem em nome de uma luta, de uma causa que é justa. Esse exemplo, ele é um exemplo muito poderoso.
Então, o papel que o Vozes Judaicas por Libertação tem feito nesses mais de 15, 16 meses de genocídio, é um papel muito importante no sentido de criar outras referências, inclusive para a própria comunidade judaica. O texto do Ualid Rabah, que é o presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil, traz uma perspectiva muito inovadora, porque ele observou uma coisa que muitas pessoas não estão observando, que de fato a hegemonia do sionismo está chegando ao fim. Hoje é impossível que haja um debate sobre o Estado de Israel sem que se reconheça a ilegitimidade do que Israel realiza na faixa de Gaza e também na Cisjordânia.
Talvez o exemplo do No Other Land ter ganhado o Oscar de melhor documentário em 2025 seja mais um dos exemplos disso que o Ualid aponta no seu texto. Então, essa perspectiva é interessante porque ela permite também que os movimentos façam uma análise de conjuntura e consigam aproveitar melhor essa janela histórica, digamos, para fortalecer a luta dos palestinos pela sua própria libertação. É muito importante pensar o exercício da solidariedade à Palestina não só como um gesto para os palestinos, mas também um gesto para nós. A Palestina é uma espécie de fronteira moral, ética, política, que não pode ser ultrapassada. E é uma bússola moral do nosso tempo.
Links para escutar: Spotify | Youtube | Simplecast | Em breve em outros tocadores |