Imprimir pra quê? Comunidade é a resposta 

Por João Varella

 

O capitalismo vicia, quem já tem quer mais ainda. O capitalismo é Igreja, danação eterna aos que não seguem o dogma da eficiência máxima. O capitalismo é você, aplastado no sofá em dia de folga, culpado por fazer nada, afogado no Instagram. 

A natureza do Homo economicus é do cada um por si. O mercado editorial brasileiro se organiza assim. Enquanto a Amazon recebe tratamento VIP, a livraria de rua passa pelo escrutínio duro do departamento de análise de crédito; é produtor de papel que reajusta o preço e deu, não tem para onde correr; é a imaginação colonizada, com a lista de mais vendidos de ficção tomada por estrangeiros. Cenas do faroeste editorial brasileiro. 

Você é o que tem. E o que faz para ter. Uma recusa a essa limitação se dá agindo contra o sistema, em conjunto, dividindo a tristeza, multiplicando a felicidade. A atuação comunitária em detrimento do individual é a senha para atenuar as agruras do capitalismo. Atenção ao verbo: atenuar. Pé no chão, meta factível.

Uma amostra prática de relutância ocorreu no início de novembro na 10ª Miolo(s), feira de arte gráfica independente realizada pela Lote 42 e Biblioteca Mário de Andrade. Quem não conseguiu ir, fica o convite para visitar a Motim (Brasília), Canastra (Belo Horizonte), Printa-feira (São Paulo), entre muitas outras que acontecerão ainda nesta reta final do ano. 

Em chave dialética, os publicadores independentes agem de maneira oposta ao mercadão. Nada de estandes faraônicos com metro quadrado caríssimo ou saldões com livro por quilo. Independente comercializa à moda antiga, com os próprios produtores em contato com o leitor e em divisão igualitária de espaço. Felizes em explicar pela enésima vez o que é zine, como a publicação foi costurada uma a uma, em que aspecto explora o limite da arte impressa. 

Dos 230 publicadores na Miolo(s) de 2023, 80 (35%) eram “euditoras”, ou seja, de apenas uma pessoa; 71% (quase ¾) tinham até três pessoas envolvidas no projeto. Uma produção pulverizada, diversa, consonante com a realidade fragmentada à volta. “Imprimir pra quê?” foi a pergunta que (des)norteou a edição. A resposta esteve espalhada pela biblioteca, nas paredes, mesas, corações, na explicação da zine.

A mídia tradicional fala do falado, vai no que é certo? Pois os independentes formam uma rede de diálogo marginal. Isso está refletido em atos prosaicos, como o empréstimo de maquininhas, parcerias para hospedagem, atalhos de soluções gráficas. É código aberto, sem segredos.

A Miolo(s) chegou à décima edição nessa parceria longeva da editora Lote 42 com a Biblioteca Mário de Andrade. Uma década de senso colaborativo da arte gráfica que constitui o acervo da instituição. O papel do papel na Miolo(s) é de esperança.

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PS: Comunidade foi o tema aqui. Repare como o Sesc é traduzido nas placas de sinalização turística de São Paulo: community center, centro comunitário na tradução reta. É o jeito de explicar essa maravilha cidadã pro gringo. Esse texto é dedicado à memória de Danilo Santos de Miranda, que conseguiu atenuar a vivência paulista.

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PPS: Este texto foi publicado no PublishNews e lido na véspera da 10ª Miolo(s), durante o Giro Miolo(s). Foram feitas as devidas alterações temporais.

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Foto: Clara Dias

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