Em texto publicado no livro Povos indígenas do Brasil 2011-2016, lançado pelo Instituto Socioambiental em 2017, o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, professor do Museu Nacional do Rio de Janeiro, analisa o trabalho de outro antropólogo, Daniel Calazans Pierri, autor de O perecível e o imperecível: reflexões guarani mbya sobre a existência, que chega em abril pela coleção Fundo & Forma da Editora Elefante.
O texto de Viveiros de Castro versa sobre o “fim do mundo” sob a ótica dos Guarani, um dos pontos centrais do trabalho acadêmico de Pierri. Por que os Guarani? “Em primeiro lugar”, escreve, “porque os Guarani, hoje mais do que nunca, estão se tornando um símbolo concreto da ofensiva final em curso contra os povos indígenas brasileiros. O seu mundo […], o mundo de criação e destruição, está de fato, sendo destruído.”
Para Viveiros de Castro, “o fato é que, se alguma coisa nos interpela hoje, é a ligação entre a expressão ‘destruição do mundo’ e o etnônimo ‘Guarani’ — o que vemos acontecer hoje no Mato Grosso do Sul em particular”. E aqui abrimos espaço para o livro que lançamos em novembro de 2017, Do corpo ao pó: crônicas da territorialidade kaiowá e guarani nas adjacências da morte, de Bruno Martins Morais, que Viveiros não cita, mas que trata exatamente — e também — disso.
“O mundo deles está, de fato, acabando — ou melhor, sendo acabado — pelos brancos, escusado dizer. Por uma espécie muito particular de brancos. E é também um certo mundo, um certo Brasil que vai se acabando junto com esse mundo. Assim, escolho os Guarani para falar sobre destruição do mundo por eles serem hoje um símbolo particularmente pungente e ultrajante desse massacre físico, jurídico e político de que são alvo os povos indígenas.”
E aqui começam as referências ao trabalho de Daniel Calazans Pierri, que, diz o renomado antropólogo, “restaura os direitos especulativos [do] pensamento [guarani], contra a voga hipercriticista e ‘materialista’ que recusou qualquer tipo de fundamento religioso aos deslocamentos territoriais [desse povo], em nome de considerações ecológicas[, e] mostrou que a especulação cosmológica, escatológica e filosófica dos Guarani não é separável e menos ainda excludente de uma reflexão sobre as condições materiais de existência desses povos.”
E continua: “Essa oposição simplista que, na verdade, dominou nas últimas décadas um debate acadêmico entre os que defendiam a motivação puramente religiosa ou a motivação puramente material da busca da Terra sem Males é uma oposição insubsistente. O pensamento especulativo guarani, como todo pensamento especulativo, é necessariamente correlacionado a determinadas condições materiais de existência. Mas uma reflexão não é um reflexo. Esse pensamento é uma reflexão filosófica feita a partir das condições históricas de opressão e de dominação que os povos guarani sofreram ao longo de cinco séculos.”
Nos três capítulos de O perecível e o imperecível, Pierri descreve e analisa as visões de mundo coletadas junto após longas conversas e anos de pesquisas junto aos Guarani Mbya em aldeias do Sul e Sudeste do país. A maioria das entrevistas é apresentada em versão bilíngue: português e guarani. No livro, o leitor poderá conhecer mais sobre como os Mbya enxergam a criação do mundo dos índios e do mundo dos brancos, além de sua interpretação sobre a vinda de Jesus, filho de Tupã, morto pelos brancos — que por isso, como castigo, vivem em um mundo onde tudo é perecível, estraga.