Pensar Cuba hoje não é sinônimo de tentar provar êxito do socialismo

Por Aline Marcondes Miglioli, Fabio Luis Barbosa dos Santos & Vanessa Oliveira
Publicado em Folha de S. Paulo

 

Em réplica a resenha publicada na Folha de S. Paulo, os organizadores de Entre a utopia e o cansaço: pensar Cuba na atualidade comentam a relevância do livro à luz da necessidade de enfrentar desafios políticos através do pensamento crítico, distante dos dogmas ou de opiniões pré-fabricadas sobre temas polêmicos, como o regime cubano. Como a história de Cuba hoje pode nos ajudar a elaborar saídas para os dilemas do nosso tempo?

 

Cuba divide opiniões e paixões. E paixões políticas dificultam o diálogo e o pensamento, como os brasileiros sabem.

Mas seria possível pensar a ilha e não só reagir a ela apaixonadamente? Seria possível driblar estereótipos à direita e à esquerda, e encará-la como uma sociedade viva, imersa em processos econômicos, políticos e culturais complexos e atuais?

Esse é o objetivo do livro Entre a utopia e o cansaço: pensar Cuba na atualidade. Mas, em resenha publicada na Folha de S. Paulo no mês de julho, João Batista Natali diz que o objetivo é provar o êxito do socialismo. Se o jornalista sequer prestou atenção ao título, que revela a intenção do livro, não se pode esperar que escute o que a obra tem a dizer. Natali nos oferece uma leitura seletiva, pescando aquilo que confirma sua opinião. Escreveu uma resenha que revela mais sobre ele mesmo do que sobre a obra.

Os organizadores foram atrás de quem conhece Cuba no Brasil: há uma geração de jovens pesquisadores capazes de mergulhar nas contradições da ilha sem dogmatismos. Temas importantes exigiram aportes de colegas latino-americanos. Outros, dos próprios cubanos — alguns morando na ilha, outros não.

O resultado é um conjunto de textos originais que oferecem uma abundância de informações e análises do que acontece na ilha hoje.

Cresce o peso dos evangélicos? Qual o papel dos militares? Os cubanos têm internet? Têm Netflix? Como é a relação de empresas como o Google com a ilha? Como o Airbnb impactou o turismo? E como o turismo afetou as cidades? Cuba tem empreendedorismo? Como é a viração no dia a dia? Os cubanos usam aplicativos e plataformas? Por que o país tinha duas moedas? Por que não tem mais? Cuba é uma sociedade igualitária para a população negra? Qual a situação da comunidade LGBTQIA+? Por que muitos cubanos emigram?

O rosto que emerge de Entre a utopia e o cansaço: pensar Cuba na atualidade é de uma Cuba humanizada. Nem um altar da esquerda, nem um demônio da direita. É o retrato de uma ilha caribenha que trilhou uma história muito particular e, por esse motivo, enfrenta desafios específicos. Mas que não escapa de sua condição de país latino-americano.

Não faz sentido compará-la com a Alemanha Oriental, como sugeriu Natali. Distante de ser uma potência industrial, Cuba era essencialmente um canavial e um resort estadunidense quando aconteceu a revolução de 1959.

De lá para cá, a história é complexa e controversa. Ela está no pano de fundo do livro, mas o seu foco é o presente. Cuba tem dificuldades e problemas, como toda a América Latina e o Caribe. Ou alguém acha que El Salvador, Haiti, Argentina ou o Brasil estão bem?

A ilha tem dificuldades e problemas comuns, mas sua expressão é peculiar. Por exemplo, muitos cubanos emigram, mas nenhum por causa do crime organizado, como é comum na América Central.

Para compreender Cuba, é preciso refrescar o olhar e aguçar o pensamento. Em lugar de opiniões apaixonadas, propomos análises pensadas, apoiadas em pesquisa consistente. Antes de concordar ou discordar, propomos conhecer e refletir. É a escuta atenta da realidade e a reflexão coletiva que constroem uma esfera pública democrática, não a panfletagem.

É difícil dialogar com quem sentou em suas verdades. Mas quem está insatisfeito com respostas prontas e com o mundo ao redor encontrará um prato cheio em Entre a utopia e o cansaço: pensar Cuba na atualidade. Afinal, o inconformismo que alimentou a Revolução Cubana segue por aí e, se queremos dar a ele um futuro que não seja a extrema direita, é imperativo que busquemos o caminho da análise e da reflexão.

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