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Com um olho e só

O fotógrafo Sérgio Silva fala das idas e vindas judiciais em busca de indenização pelo olho que perdeu enquanto trabalhava na cobertura dos protestos de 2013

Por Antonio Mammi
Parágrafo Primeiro

 

Sérgio Silva não fazia mais que a obrigação quando foi à rua da Consolação em 13 de junho de 2013: fotojornalista freelancer, não podia negar serviço em terreno tão adubado. No dia mais violento das manifestações contra o aumento da tarifa do transporte público em São Paulo, o ponto de inflexão na série de protestos que vieram a ser conhecidos como as Jornadas de Junho, Silva teve que se ver com a mais grave sequela carregada pelos cerca de 150 feridos naquela noite. Vítima do que se repercutiu amplamente como uma bala de borracha disparada pela Polícia Militar, perdeu o olho esquerdo.

A comoção, contudo, não foi reforçada por tintas oficiais. Em duas instâncias, o Judiciário paulista lhe negou indenização de R$ 1,2 milhão por danos estéticos, morais e materiais, bem como uma pensão mensal de R$ 2,3 mil a ser paga pela Fazenda Pública.

Do périplo judicial de Silva, resultou a segunda edição de Memória ocular: cenas de um Estado que cega, escrito com o jornalista Tadeu Breda e concebido após o último insucesso do fotógrafo nas cortes.

“Não estou inventando essa história nem usando uma prótese falsa no lugar do meu globo ocular”, diz Silva à Parágrafo Primeiro. “Todo mundo sabe o que aconteceu. Eles mesmos sabem”.

Narrado por Breda — que também cobria o protesto do dia 13 — e ilustrado pelas fotos de Silva, o livro também inclui relatos de outras vítimas de violência policial ao longo de junho e foi lançado na data do quinto aniversário do disparo. “Eu estava na mesma esquina que o Sérgio quando ele foi atingido, mas só fui saber no dia seguinte. Fiquei bastante espantado”, conta o co-autor.

No primeiro grau, o juiz Olavo Zampol Jr. dispensou as testemunhas. O Estado não deveria ressarcir Silva nem que se provasse que ele havia sido ferido por bala disparada pela polícia, sentenciou. A culpa era exclusiva da vítima, por ter permanecido “em linha de tiro para fotografar, colocando-se em situação de risco, assumindo, com isso, as possíveis consequências do que pudesse acontecer”.

Argumentação que se aplica a coberturas de guerra, é verdade, embora a reprovação à postura belicista da polícia tenha encorpado as manifestações subsequentes e posto em xeque a defesa do uso de força excepcional. A julgar pelas primeiras imagens do livro (“as últimas fotos que Sérgio produziu quando ainda tinha dois olhos”, nas palavras dos autores), nem a alegação da linha de tiro parece prosperar —nelas, ele busca abrigo atrás de uma tropa posicionada no cruzamento da Consolação com a rua Caio Prado.

“Eu queria saber o nome disso que ele fez, porque não consigo nem definir”, afirma Silva. “Já que sou leigo em Direito, vou chamar de ato violento. E no meu caso é o segundo: o primeiro veio do tiro do policial, o segundo da caneta do juiz”.

Em novembro último, a 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo dirimiu Silva de culpa, mas nem por isso decidiu que fosse reparado pela órbita vazia. Paramentado com um tapa-olho, ele assistiu ao desembargador relator Rebouças de Carvalho fundamentar seu voto com base em um laudo médico, segundo o qual o fotógrafo pode ter sido atingido por “pau, pedra, mão, cabeça, bolas de gude, bola de futebol, bola de borracha, projéteis de paintball, coronhadas de armas de fogo”.

No momento, o processo está nos escaninhos da corte paulista, enquanto não se decide se ele será remetido para os tribunais superiores.

Silva, por sua vez, teve que se adaptar à nova condição — hoje, a maior parte da sua renda provém da produção e edição de vídeos, algo mais estático do que a correria dashard news. Diz que não vai desistir do processo. “O que importa é que o Estado reconheça o erro que cometeu em 2013 e o repare de alguma forma, qualquer que seja”.

Por enquanto, morrem com ele os R$ 3.894 gastos em hospital privado à época dos fatos.

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