Por Darío Aranda
Publicado em Página 12
Horacio Machado Aráoz é o autor do livro Mineração, genealogia do desastre, em que traça a ligação entre o extrativismo desde a chamada “Conquista da América” até os dias atuais, com exemplos concretos como a mineradora Alumbrera (em Catamarca, na Argentina).
“Ser fornecedor de matéria-prima obedece a um padrão da divisão internacional do trabalho herdada da era colonial. O extrativismo é uma característica estrutural do capitalismo como sistema de acumulação mundial. Para que essa acumulação aconteça, deve haver zonas coloniais de sacrifício que forneçam os subsídios ecológicos desse consumo desigual do mundo”, explica.
Aráoz é pesquisador do Conicet, professor da Universidade de Catamarca, integrante das assembleias “Catamarca contra a megamineração” e a organização Sumaj Kawsay (Bem-Viver).
A partir do livro Mineração, genealogia do desastre, que semelhanças existem entre este modelo iniciado em 1492 e o atual?
O que aparece intacto nas diversas formas de extrativismo é a figura do conquistador como protótipo do homem e como forma de se relacionar e conceber a relação com o mundo. O conquistador, os Pizarros, os Cortés, os Pedros de Valdivia, são homens armados, violentos, em busca de enriquecimento rápido, que olham o mundo como puro objeto de posse e conquista; concebem a vida como uma corrida infinita de riquezas e poder. Em termos subjetivos, o olhar de Colombo enviesado pelo brilho do ouro é o olhar do sujeito moderno contemporâneo, da racionalidade que pensa na conquista da riqueza e dos valores abstratos como sentido último da existência, que é a matriz do extrativismo.
E as diferenças?
Há diferenças, grandes e múltiplas, principalmente nos modos de produção. O regime de dominação e destruição atual é infinitamente maior. O poder também se tornou mais complexo, tem uma enorme capacidade de sedução, de persuasão, o modo de vida imperial impõe-se como matriz evolutiva. A capacidade de destruição associada à capacidade de sedução é o que Aníbal Quijano chama de “lógica da colonialidade”. O modo de vida imperial, do conquistador, também aparece como desejado pelos conquistados e colonizados. Esse modelo nos levou a um limiar de desumanização, à naturalização da violência, a viver nos relacionando com a Mãe Terra a partir da lógica do saque, com os efeitos sanitários e socioambientais que já conhecemos.
Mas também existem resistências.
Estes cinco séculos de dominação extrativista colonial não passaram em vão. Não foi uma dominação passiva. Existe toda uma história de lutas, um aprendizado com as lutas do passado. Sementes de humanidade que permanecem. Se queremos sustentar e lutar pela sobrevivência da humanidade, temos que ir ao banco de sementes da história, que é a resistência, a luta dos povos indígenas, das mulheres, a luta dos trabalhadores, de todos os oprimidos do mundo. Existe um banco de conhecimento que temos disponível hoje. Todas essas lutas, diferentes expressões contra a dominação patriarcal-colonial-capitalista, são todas necessárias, mas nada é por si só. Estamos diante de um grande desafio, de uma sinfonia de lutas populares, é a consciência que temos da integração das lutas, do ambientalismo popular.
Extrativismo e capitalismo são sinônimos?
Não existe capitalismo sem extrativismo. E o capitalismo implica a reafirmação de uma estrutura colonial da economia mundial. Por isso é ininteligível que no século XXI governos que dizem querer uma mudança progressista tenham insistido com base em um modelo já falido, conhecido e debatido na América Latina, com consequências econômicas, políticas, sociais, e que consolida a dependência. Uma lição deveria ser que, como países que herdaram um regime colonial, não podemos aspirar a um modelo de desenvolvimento igual ou equivalente ao dos países industrializados. Devemos aspirar a outro modelo, baseado em outra matriz de produção e consumo.
Um olhar recorrente é apontar que o extrativismo é uma “contradição secundária” ou uma etapa anterior para alcançar o posterior “desenvolvimento”.
É uma posição totalmente equivocada, que reproduz antigos erros da esquerda ortodoxa do século passado, e revela uma cegueira epistêmica que esses setores da esquerda têm em relação à natureza. Eles ainda não entendem que o capitalismo não é apenas a depredação da força de trabalho, mas também produz a depredação das fontes da vida, da natureza, da qual o trabalho é mais um aspecto. A velha esquerda é uma esquerda produtivista, pensa nos termos do capitalismo quanto ao desenvolvimento tecnológico, tem fé cega na expansão das forças produtivas, acredita num horizonte infinito de crescimento. Nós poderíamos perdoar Marx ou Engels por isso no século XIX, mas é incompreensível nos tempos atuais.
Que abordagem alternativa existe?
A teoria social crítica latino-americana nasceu com questionamentos sobre as consequências desse modelo de exportação primária. Houve teóricos e governos que propuseram um modelo diferente para a região entre os anos 1940, 1950 e 1960, muitos deles inspirados na chamada “escola da Cepal” (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), em que o economista Raúl Prebisch foi uma das referências. Há mais de meio século se sabe que o extrativismo não é uma alternativa válida para o desenvolvimento. Essa matriz extrativista tem consequências em termos de classe, gera uma distribuição de renda que tende à polarização social, consolida as elites e acarreta pouca redistribuição. Não temos possibilidade de nos desenvolver nesses termos, e qualquer possibilidade de pensar e implementar outras formas emancipatórias torna-se inviável.
Como você sai do extrativismo?
Não existem, eu acho, saídas capitalistas para o extrativismo. Isso nos obriga a pensar em alternativas radicais. Como o extrativismo é uma dimensão intrínseca do capitalismo, sair dele é imaginar outros horizontes civilizatórios. Existem muitas comunidades que vivem em territórios que estão fora dos padrões do capitalismo; vivem com base no uso comum de conhecimento, terra, sementes. Em Nossa América, temos muitas comunidades que vivem fora desse padrão extrativista. Você tem que começar a imaginar essas saídas.
Como seriam essas opções?
Existem inúmeras ideias, tanto de pesquisadores quanto de organizações sociais, que estão propondo políticas de modificação da matriz produtiva, alternativas construídas a partir de baixo que constroem outras territorialidades e são essenciais para sair do extrativismo. Imaginemos sociedades baseadas na soberania alimentar, energia e soberania hídrica como pilares fundamentais para pensar a independência econômica, política e cultural. Há anos, organizações vêm pensando e colocando em prática, como a Conaie (Confederação das Nações Indígenas do Equador), a Rede de Comunidades Afetadas pela Mineração no México, o Movimento Mundial contra Barragens na Mesoamérica e a própria UAC (Assembleias da União de Cidadãos). O futuro da espécie humana está em ser capaz de repensar, de se sentir conectada à vida, ao ar, à terra, à água. E a desconexão do aparato tecnológico e financeiro que nos afastou do mundo, nos imergiu em um mundo de telas e conexões abstratas. Você tem que sair de lá para ter alternativas, para ter outro futuro.