Por Eduardo Sombini
Publicado em Ilustríssima
No clássico “Geografia da Fome”, de 1946, Josué de Castro virou pelo avesso o debate sobre o flagelo que assolava milhões de brasileiros. A fome, ele dizia, não pode ser reduzida à falta de alimentos, causada por secas ou outros fenômenos naturais: ela precisa ser vista como uma questão política, relacionada ao latifúndio, à monocultura de exportação e ao descaso de governos.
Quase 80 anos depois, o Brasil enfrenta mais uma vez taxas alarmantes de insegurança alimentar, mas hoje, lembra Bela Gil, a fome não é o único nó quando se pensa em comida.
O consumo de ultraprocessados vem impulsionando um novo tipo de desnutrição: a obesidade convive com a carência de nutrientes e está na raiz da epidemia de doenças crônicas como diabetes e problemas cardíacos. Esse cenário, para a chef de cozinha e apresentadora de TV, lembra um genocídio silencioso, que afeta pessoas pobres e racializadas com mais força.
No recém-lançado “Quem Vai Fazer essa Comida?” (Elefante), Bela Gil lança um olhar amplo sobre os hábitos alimentares difundidos pelo agronegócio e pela indústria alimentícia.
O livro se distancia da responsabilização individual e reflete sobre as questões econômicas e sociais que fazem com que a alimentação saudável seja um privilégio para poucos, enquanto os ultraprocessados, baratos e práticos, se tornam a única opção para milhões de pessoas.
Neste episódio, a autora defende que é preciso revolucionar a produção e o consumo de alimentos e finalmente reconhecer o valor do trabalho doméstico, feito principalmente por mulheres, tão essencial para a existência de outras ocupações fora de casa.
Tem uma frase maravilhosa da Silvia Federici que eu coloco no livro. Ela diz: “O que vocês chamam de amor, eu chamo de trabalho doméstico não remunerado”. Essa é uma grande questão: a construção das mulheres e do feminino dentro dessa sociedade patriarcal foi através da domesticação para continuar nesse lugar do trabalho e do cuidado por amor —por amor ao marido, às crianças, é tudo por amor. Toda a nossa exaustão, o nosso estresse, as nossas doenças […] são justificado pelo amor