Colapso climático: o decênio decisivo

Há décadas cientistas e militantes ambientais denunciam a irresponsabilidades dos tomadores de decisões sobre temas chaves

Por Mauri Cruz*
Publicado em sul21

 

“O decênio decisivo: propostas para uma política de sobrevivência” é o título do livro do amigo, sociólogo, historiador e professor da UNICAMP, Luiz Marques. Lançado recentemente pela editora Elefante em parceria com a Ação Educativa e com o Coletivo 660 do qual faço parte.

Obra fundamental para entendermos os eventos extremos que estão pipocando em todo planeta. Apresenta de forma simples e didática, através da sistematização de dados e informações dos principais organismos e grupos de cientistas que estudam as mudanças climáticas, a gravidade do momento da humanidade e os riscos para o futuro da vida na Terra.

A conclusão não poderia ser mais séria: estamos muito próximos do ponto de não retorno, ou seja, do ponto em que, para retornar à estabilidade climática de algumas décadas atrás se levará centenas de anos. Isso porque, mesmo que fosse possível estancar de uma vez só a emissão de todos os gases que produzem o efeito estufa, ainda assim, os gases já lançados na atmosfera, seguirão gerando impactos negativos por vários anos e esses impactos produzindo efeitos crescentes de aquecimento.

Ninguém pode dizer que não fomos avisados. Há décadas cientistas e militantes ambientais denunciam a irresponsabilidades dos tomadores de decisões sobre temas chaves como energia, desmatamento, mineração, expansão das fronteiras agrícolas e crescimento desordenado das cidades.

Soma-se a esse descaso, a postura da mídia coorporativa, sempre comprometidas com os interesses de seus patrocinadores, que, entre uma notícia trágica e outra, veicula anúncios de carros modernos movidos à diesel ou carnes e produtos hiper industrializados produzidos à custa do meio ambiente. Um círculo vicioso que só acelera e amplia as tragédias que os âncoras comentam consternados.

Neste contexto, o fenômeno climático extremo desta semana no Vale do Taquari no Rio Grande do Sul é só mais uma amostra do que vem ocorrendo há vários anos em várias partes do mundo. Incêndios de enormes proporções decorrentes de secas e de calores extremos, chuvas torrenciais com inundações relâmpagos, deslizamentos e soterramentos.

O primeiro evento extremo que temos lembrança foi o Furação Catarina em 2004 no sul de Santa Catarina. No entanto, foi em 2008, o evento climático mais letal. Naquele ano, coordenei na região do Vale do Itajaí/SC o Projeto SOS Comunidade Vale do Itajaí – Monitoramento e Organização Comunitária em Desastres, executado pelo CAMP e CDH Joinville, com apoio da Abong e da OXFAM GB. Nossa tarefa foi apoiar as comunidades de Itajaí, Pomerode, Gaspar, Blumenau, Henrique Alves, Jaraguá do Sul dentre outras, em seu processo de ação imediata nos abrigos nos primeiros dias que se seguiram a tragédia e ao longo de vários meses, no longo e lento processo de reconstrução.

Já naquela época, concluímos que a tragédia que custou a vida de 135 mortes e que desabrigou e desalojou mais de 15 mil pessoas, teve como causa o enorme volume de chuvas concentradas acima de 120mm em menos de 24 horas, combinada com o uso irregular dos territórios com desmatamento dos morros e encostas para plantio de eucaliptos e para moradias irregulares. Ou seja, os impactos dos eventos climáticos extremos ganham maior gravidade porque são potencializados pela falta de políticas preventivas e de cuidado no âmbito local.

Importante reproduzir a conclusão sobre a causa da tragédia: “Não é simples encontrar as razões que ocasionaram uma tragédia tão arrasadora como a que ocorreu em Santa Catarina. No entanto, como muitas pessoas denunciam, por detrás desta catástrofe está a política ambiental do governo catarinense, que, com apoio do governo brasileiro, tem permitido uma ferrenha degradação ambiental das encostas dos morros. Entidades ambientalistas também acusam o governo do estado de promover alterações na legislação ambiental para, assim, ampliar a ocupação desordenada dos morros e encostas. Declaram, ainda, que a calamidade ocorrida foi uma tragédia anunciada que, caso não haja mudanças, se repetirá.”

Como sabemos, também em Muçum houve a combinação de causas climáticas com ações de degradação ambiental por parte dos governos e empresários locais. Segundo a Fundação SOS Mata Atlântica essa foi a cidade que mais desmatou os remanescentes florestais e seus ecossistemas desde 2014. Tipo, um libera geral. E, curiosamente, foi uma das cidades gaúchas que deram um maior percentual de votos ao candidato Bolsonaro (72,1%), no segundo turno das eleições de 2022, apoiando massivamente um defensor do desmatamento e do desrespeito as populações indígenas e quilombolas que, por sua prática cotidiana, protegem o meio ambiente.

Como em Itajaí, em 2008, provavelmente a gravidade dos acontecimentos no Vale do Taquari não serão suficientes para mudar o modo de planejar, financiar e agir dos governos e daquelas comunidades. Um alerta, tanto para os governos locais e estadual como para o Governo Lula que, como temos acompanhado, idealiza uma política de crescimento econômico com distribuição de renda nos mesmos moldes daquele que vem sendo implementado nas últimas décadas, onde a proteção do meio ambiente é retórica e não tem feito parte efetiva das decisões políticas estratégicas.

Voltando ao livro do Luiz Marques, no último capitulo, ele nos apresenta algumas alternativas para uma política de sobrevivência: distribuição igualitária do consumo de bens e de energia; restauração acelerada dos ecossistemas e ampliação das reservas naturais; desmantelamento da economia global do carbono e construção de uma economia circular descarbonizada; fim dos subsídios governamentais diretos e indiretos à indústria de combustíveis fósseis; desglobalização do sistema alimentar e sua transição para uma alimentação sustentável baseada em nutrientes vegetais; aceleração da transição demográfica e combate as desigualdades sociais e territoriais, entre outras alternativas.

São medidas extremas, mas urgentes. Certamente as elites globais não estão sensibilizadas para essas medidas. Nem mesmo os governos democráticos estão. A saída para isso é a criação de um movimento social global, potente e com capacidade de intervenção em todos os continentes exigindo mudanças rápidas e radicais. Um desafio à altura das nossas gerações que lutam há décadas e das novas que estão chegando com um desafio do tamanho de sua própria existência.

(*) Advogado, professor de pós-graduação em direito a cidade, mobilidade urbana e parcerias sociais. Membro do Conselho Diretor do CAMP – Escola do Bem Viver, do Instituto de Direitos Humanos – IDhES. Consultor da Usideias

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