Por Teresa Cristina Silva
Luiz Marques, professor aposentado do Departamento de História da Unicamp, é direto ao ponto ao dizer, em seu novo livro, O decênio decisivo, que “o único futuro para o qual a exploração do petróleo é o passaporte é o do desregulamento final do sistema climático”. Em outro trecho, o autor afirma que Lula, agora em seu terceiro mandato presidencial, teria a chance histórica de contribuir para mudar a trajetória de colapso socioambiental do país e do mundo, ao barrar o avanço da exploração de combustíveis fósseis.
Não é o que está acontecendo, se tomarmos por base a declaração oficial da cúpula que reuniu em Belém, entre os dias 7 e 9 de agosto, os chefes de Estado dos oito países que compõem a Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia (OTCA). Gustavo Petro, presidente da Colômbia, foi uma voz solitária — e corajosa — no encontro, e deixou clara a sua posição contrária à abertura de novas frentes de extração de petróleo e gás na Amazônia. Também falou da contradição progressista de negar a ciência ao postergar ações que combatam o colapso ambiental iminente. Ainda assim, a Declaração de Belém, que sintetiza os resultados da cúpula, deixou de fora o banimento da exploração no território e sequer colocou como meta o desmatamento zero — outra demanda urgente da sociedade e do planeta.
Ainda segundo Luiz Marques, “a catástrofe socioambiental em curso, assim como a maioria das guerras, decorre diretamente, sobretudo, da corrida pela exploração dos combustíveis fósseis”. Então, por que os líderes seguiram fechando os olhos e silenciando sobre essa questão? Talvez porque sair dos combustíveis fósseis não seja uma operação rentável e, portanto, como afirma Marques, se torne irracional “do ponto de vista do Homo economicus“, mesmo à custa da sobrevivência do Homo sapiens sapiens.
Há lugares, porém, em que a sociedade está mobilizada para frear a exploração petrolífera na Amazônia. No próximo dia 20 de agosto, depois de muitos anos de luta e tentativas governamentais frustradas, o Equador pode dar um passo histórico e mostrar para o mundo que é possível priorizar a conservação da biodiversidade e cuidar do clima, ao invés de optar por noções falidas de “progresso” e “desenvolvimento” a partir do extrativismo. Nestas eleições, além de escolher os novos ocupantes da Presidência e da Assembleia Nacional, o povo equatoriano irá votar em um plebiscito que pode decidir pela suspensão da exploração petrolífera no chamado bloco ITT – iniciais dos campos de Ishpingo, Tambococha e Tiputini –, localizado no Parque Nacional Yasuní, na Amazônia.
A consulta acontece graças à pressão popular, encabeçada pelo coletivo Yasunidos, que recolheu as mais de 584 mil assinaturas necessárias para propor a votação ao Conselho Nacional Eleitoral. As origens e as reviravoltas da luta pelo Yasuní, que se estende desde 2007, são narradas pelo político e economista equatoriano Alberto Acosta em um do capítulos do livro O Bem Viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos, publicado pela Elefante em parceria com a editora Autonomia Literária em 2016.
“Em um país viciado em petróleo, a proposta de não extraí-lo parecia uma completa insanidade. Nos poderosos círculos petroleiros internacionais, a ideia foi vista com ceticismo e, depois, passou a ser combatida. O mais surpreendente é que esta ‘loucura’ foi angariando adeptos e força na sociedade civil dentro e fora do Equador”, explica Acosta.
No livro, o autor propõe uma visão alternativa de vida, de raízes comunitárias não capitalistas e não ocidentais, em harmonia com a Natureza, pautado pela reciprocidade, relacionalidade, complementaridade e solidariedade entre indivíduos e comunidades, e em oposição ao conceito de acumulação perpétua. “O Bem Viver será, então, uma tarefa de (re)construção que passa por desarmar a meta universal do progresso em sua versão produtivista e do desenvolvimento enquanto direção única, sobretudo em sua visão mecanicista do crescimento econômico e seus múltiplos sinônimos” — justamente o que almeja parcela significativa da sociedade equatoriana e latino-americana.
Apesar de a Cúpula da Amazônia ter perdido a oportunidade de dar uma resposta positiva e inovadora aos problemas das mudanças climáticas e decretar, como metas, o banimento da exploração de combustíveis fósseis e o desmatamento zero, ainda há um caminho aberto neste ano no Equador e no Brasil. O nosso país, que detém 64% do território Pan-Amazônico e é o maior produtor de petróleo entre os membros da OTCA, vive um impasse público sobre a perfuração de um poço em alto-mar na bacia da foz do Rio Amazonas. Nos próximos meses, Lula pode decidir por frear a exploração e seguir de fato em uma transição para uma sociedade descarbonizada — como afirma ser necessário Luiz Marques, Alberto Acosta e tantos outros autores — ou ceder ao desenvolvimento inconsequente e suicida.
Enquanto aguardamos as próximas cenas da saga brasileira, acompanhamos os irmãos e irmãs latino-americanas do Equador, na esperança de que votem pelo “sim” para deixar o petróleo debaixo da terra no bloco ITT, e digam “não” ao terrorismo econômico, que insiste na destruição do planeta — e da humanidade, se seguirmos nesses passos.
LEITURAS PARA SE APROFUNDAR:
Poderíamos indicar qualquer um dos livros da Coleção Alternativas, que discutem a crise humanitária e ambiental e a necessidade de ações urgentes para garantir a nossa sobrevivência. Mas, para abrir o debate, elencamos três títulos como essenciais:
- O decênio decisivo: propostas para uma política de sobrevivência (2023), Luiz Marques. O livro aponta o futuro excruciante que virá caso não rompamos com os pilares do capitalismo contemporâneo, e elenca as possibilidades de ação imediata para evitar que a catástrofe seja ainda maior.
- O Bem Viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos (2016), Alberto Acosta. O Buen Vivir é um conceito aberto, de origem latino-americana, que se está constituindo em um aporte genuíno ao debate da esquerda mundial do século XXI. É parte de uma longa busca por alternativas forjadas no calor das lutas indígenas e populares.
- Antropoceno ou Capitaloceno? Natureza, história e a crise do capitalismo (2022), Jason W. Moore (org.). Em sete ensaios, este livro demonstra que a ideia de Antropoceno — preferida do catastrofismo anódino dos meios de comunicação e da comunidade científica — não está isenta de politização. Ao considerar indistintamente a humanidade como responsável pelos impactos geológicos causados pelas atividades econômicas, os proponentes do Antropoceno pecam por uma enorme falta de consistência histórica.
Foto de capa: Christian Braga/Greenpeace