Por Ricardo Abramovay, Bruno Vello e Marcelo de Medeiros
Publicado em Folha de S. Paulo

 

Coluna publicada pela Folha de S. Paulo aponta iniciativas que o governo Lula deve adotar para “viabilizar uma atuação mais econômica e sustentável, tanto nas propriedades agropecuárias quanto nas florestas brasileiras”. Enquanto na agropecuária os autores ressaltam a necessidade de popularizar a opção dos produtores por técnicas que reduzam as emissões de gases do efeito estufa, na frente florestal eles ressaltam a necessidade de políticas voltadas a garantir alternativas econômicas para a manutenção da floresta em pé. Esses temas são trabalhados em profundidade por Ricardo Abramovay, um dos autores da coluna, nos livros Infraestrutura para o desenvolvimento sustentável da Amazônia (Elefante, 2022) e Amazônia: por uma economia do conhecimento da natureza (Elefante, 2019). Reproduzimos abaixo o texto publicado no jornal. 

 

As primeiras indicações de que a política ambiental seria uma das tônicas do novo governo ocorreram ainda antes da posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em 2023, declarações e ações governamentais fizeram do combate ao desmatamento o carro-chefe dessa orientação. Mudanças institucionais nos ministérios, metas de redução do desmatamento e o enfrentamento da crise yanomami reforçam esses sinais.

Mas as forças da destruição seguem vivas, como bem mostram as votações recentes na Câmara, que ampliam as concessões à devastação no Código Florestal e na Lei da Mata Atlântica. O compromisso do novo governo em retomar uma política ambiental efetiva contrasta com o quadro desolador que paralisou a ação pública de combate ao desmatamento. Mas o reforço do comando e controle, apesar de fundamental, não será capaz de garantir, por si só, o fim da devastação. Para cumprir suas promessas, o governo deverá também adotar iniciativas voltadas a viabilizar uma atuação econômica mais sustentável, tanto nas propriedades agropecuárias quanto nas florestas brasileiras.

Na agropecuária, é preciso popularizar a opção de produtores por técnicas que reduzam as emissões de gases do efeito estufa no campo. Essas técnicas já existem, mas é necessário torná-las acessíveis e atrativas. A premissa básica é que o Plano Safra passe por uma séria revisão, baseada no princípio de que financiamentos e subsídios públicos só devem ser concedidos a práticas socioambientais regenerativas. Também integra essa frente a promoção de soluções de rastreabilidade que permitam comprovar a origem sustentável das commodities agropecuárias.

Já na frente florestal, são necessárias políticas voltadas a garantir alternativas econômicas para a manutenção da floresta em pé. E isso significa atuar em duas áreas. Primeiro, na cadeia de produção madeireira. A totalidade da demanda nacional por madeira pode ser suprida pelo manejo florestal sustentável, mas é preciso ampliar a escala dessa prática a partir de reforços na política de concessões florestais.

A segunda área diz respeito à produção extrativista (não madeireira). Aqui, trata-se de implementar políticas voltadas a alavancar a economia da sociobiodiversidade, impulsionando um modelo de desenvolvimento da Amazônia que reconheça e valorize os povos da floresta como guardiões da megabiodiversidade brasileira. Políticas já existentes, como as que garantem acesso dos produtores a mercados institucionais, têm grande potencial de avanço. Porém, aqui será necessário maior ímpeto criativo do governo, com a formulação e articulação de novas políticas e áreas governamentais que promovam desde o acesso à internet de boa qualidade na própria floresta até soluções de infraestrutura ambientalmente responsáveis.

Em suma, o Brasil e o mundo querem políticas que conduzam à drástica e rápida redução do desmatamento. Mas esse objetivo supõe também uma agenda pós-desmatamento que faça da luta contra a crise climática e a erosão da biodiversidade a base da potência agropecuária e florestal brasileira.

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Ricardo Abramovay
Professor titular da Cátedra Josué de Castro da Faculdade de Saúde Pública da USP, autor dos livros Infraestrutura para o desenvolvimento sustentável da Amazônia (Elefante, 2022) e Amazônia: por uma economia do conhecimento da natureza (Elefante, 2019) e presidente do Conselho Diretor do Imaflora

Bruno Vello
Cientista político e analista de políticas públicas do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola)

Marcelo de Medeiros
Coordenador de políticas públicas do Imaflora

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