Na gringa, livraria independente oferece alternativa à Amazon

Plataforma virtual lançada nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha reúne pequenas livrarias na tentativa de se opor às práticas predatórias da gigante multibilionária. Quando teremos algo parecido no Brasil?

Lançada nos Estados Unidos no começo de 2020, a Bookshop é uma plataforma para venda de livros que permite que livrarias independentes criem suas próprias vitrines virtuais e garante que recebam a margem de lucro total das vendas – 30% do preço de capa, no caso. Todo o atendimento ao cliente e envio são feitos pela livraria e seus parceiros distribuidores, com títulos vendidos com pequenos descontos e entregues em um prazo de dois a três dias. 

Idealizada pelo escritor e cofundador do site de literatura Literary Hub, Andy Hunter, a Bookshop tem mais de novecentas lojas inscritas nos Estados Unidos e acelerou seus planos de atuação no Reino Unido, onde conta com mais de 130 livrarias parceiras. Seu sucesso vem sido descrito como um “momento revolucionário na história da venda de livros”, “uma alternativa socialmente consciente à Amazon, que permite aos leitores comprar livros online enquanto apoia seu livreiro independente local”, de acordo com uma reportagem do jornal britânico The Guardian

Hunter acredita que a razão do rápido sucesso da Bookshop é o gosto dos leitores pelas pequenas livrarias locais. “As livrarias têm tido problemas por um tempo por causa do crescimento da Amazon, mas esta pandemia realmente acelerou isso. A Amazon se tornou muito mais poderosa, enquanto há lojas de cem anos que estão com a corda no pescoço para sobreviver”, disse ele. “Acho que tivemos muito sucesso porque muitas pessoas estavam cientes disso e queriam se reunir em torno de suas livrarias do coração, porque se preocupam com o mundo que restará depois desta pandemia.”

As livrarias associadas à Bookshop não fazem nenhum investimento financeiro. A experiência de navegação no site tem como objetivo “espelhar a alegria de descobrir um novo livro em uma livraria física”, diz a empresa. A curadoria de títulos é feita por seres humanos, não por algoritmos. Cada livraria independente que se associa tem sua própria página de “vitrine”, onde os clientes podem navegar por tabelas virtuais de livros recomendados. Além do sucesso de público e vendas – a Bookshop chegou a vender, em junho, 1 milhão de dólares em livros por dia! –, a iniciativa tem sido extremamente bem recebida pelos livreiros.

“Ser um livreiro independente tem sido por tantos anos uma batalha de Davi contra Golias que é um pouco desconcertante quando alguém finalmente entrega a você uma bazuca para que você deixe de atacar com seu estilingue”, disse Andy Rossiter, da Rossiter Books, na cidadezinha de Ross-on-Wye, na Inglaterra, com apenas dez mil habitantes.

A experiência da Bookshop só reforça o que a gente reiteradamente vem dizendo por aqui, correndo o risco de parecer uma cruzada contra o pobre (!) multibilionário Jeff Bezos. A Amazon entrou na nossa pauta de discussões (e preocupações) em abril de 2019, quando soubemos que empresa comercializava os livros da Elefante por um preço que não conseguíamos praticar, mesmo nas vendas diretas em nosso site, sem intermediários. Já explicamos algumas vezes o quanto esse tipo de ação é predatória às editoras independentes, às pequenas livrarias e, de maneira geral, a todo o mercado editorial, que há bastante tempo já não anda muito bem das pernas. 

Para além desse pequeno universo dos livros, é sempre bom lembrar que a empresa é recordista em denúncias de péssimas condições de trabalho, total descaso às normas de segurança e saúde de seus trabalhadores durante a pandemia de covid-19, e foi uma das empresas que mais faturou neste ano – o patrimônio de Bezos cresceu em treze bilhões de dólares (65 bilhões de reais) em julho de 2020. Nestes dias, a revista Forbes estima a fortuna desse sujeito em 186 bilhões de dólares.

Também já escrevemos algumas vezes sobre a importância de vocês comprarem os livros diretamente conosco ou na livraria independente que você quer ver crescer: essa iniciativa é uma ode à humanidade, às pequenas iniciativas literárias, ao cuidado não apenas com o objeto-livro mas com a ideia-livro. Quem sabe essa experiência tão bem sucedida na gringa não desperte ideias de algo parecido em terras brasileiras?

Durante a edição de Contra Amazon e outros ensaios sobre a humanidade dos livros, nós tivemos a certeza que não estamos sozinhos nessa ideia fixa e talvez um pouco maluca de tentar salvar não só o mercado editorial, mas todas as pessoas que trabalham com e são apaixonadas por livros: gente que está por aí resistindo em pequenos estabelecimentos onde o cliente entra, conversa, senta, passeia pelas prateleiras, toma um café (muitas vezes, cortesia da casa), conversa mais e só então, talvez, leva um livro.

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