Por Antonio Martins, na orelha de Infraestrutura para o desenvolvimento sustentável da Amazônia
Nenhum país tem melhores condições que o Brasil de oferecer ao mundo “soluções biológicas para mitigar os efeitos da crise climática”. Trecho de uma mensagem enviada por João Moreira Salles a Ricardo Abramovay, durante o processo de escritura de Infraestrutura para o desenvolvimento sustentável da Amazônia, a frase acima expõe um paradoxo. Por que, tendo tudo a seu favor, nosso país está se tornando um pária internacional também no que diz respeito à proteção da natureza?
Culpar Bolsonaro e seu protofascismo boçal é uma resposta fácil e verdadeira, porém insuficiente. O energúmeno não brotou do nada. O ressentimento que levou parte do eleitorado a apoiá-lo finca raízes no caráter colonial da sociedade brasileira — e na resistência de setores poderosos às tentativas de superar tal herança. A Amazônia é chave para compreender a permanência das lógicas arcaicas. Podendo ter na região o que Ignacy Sachs chamou de “laboratório das biocivilizações do futuro”, o Brasil insiste em reduzi-la a um inferno de fogo, pasto, soja — e, certamente, sangue.
Ricardo Abramovay leva adiante, neste novo livro, a busca de alternativas. Em Amazônia: por uma economia do conhecimento da natureza (Elefante, 2019), ele havia estabelecido a equação essencial. Vivem, só no trecho brasileiro do bioma, 29,6 milhões de seres humanos. O crescimento populacional é, há três décadas, o mais alto do país. É inaceitável submeter essas pessoas às condições atuais, em que a maior parte delas só sobrevive devastando a natureza.
Mas não bastam discursos e bom-mocismos para transformar a realidade. É preciso oferecer aos habitantes da Amazônia condições e projetos que lhes permitam viver em nova relação com a natureza. Bioindústria de essências da floresta, para produção de fármacos e cosméticos. Emprego dos conhecimentos ancestrais. Extrativismo e pesca sustentáveis. Abramovay abre um leque de caminhos que permitiriam ao ser humano viver com dignidade material na Amazônia, conservando a hileia ao invés de arrasá-la.
Nesta obra, o autor dá um passo adiante e se aventura pela perigosa senda do debate sobre as infraestruturas necessárias para um novo padrão de desenvolvimento — na Amazônia e no Brasil. Abramovay começa por uma crítica indispensável. Lembra que, apesar do ufanismo que os caracterizou, os projetos infraestruturais na região — da Transamazônica a Belo Monte — resultaram em desastres. Estavam orientados pelas lógicas da captura privada da natureza e do crescimento econômico incessante.
Mas Abramovay sabe também que o ser humano amazônida não poderá contribuir para a emergência de um novo padrão de desenvolvimento se não contar com a infraestrutura para tanto. Como receber insumos e escoar a produção? Por que meios estabelecer transporte e comunicações no interior da própria região? Ainda mais importante: quais os caminhos para assegurar a reprodução da vida, em melhores condições, acessando serviços e equipamentos de saúde, educação, cultura, lazer, etc.?