
Concreto armado, arquitetura e abstração capitalista
A Elefante está lançando Concreto: arma de construção em massa do capitalismo, de Anselm Jappe, em pré-venda no nosso site. Trata-se do terceiro trabalho do autor publicado na casa, depois de A sociedade autofágica: capitalismo, desmesura e autodestruição (2021) e Capitalismo em quarentena: notas sobre a crise global (coautor, 2020), todos da coleção Crise e Crítica. Agora, o alemão se debruça sobre um material específico, o concreto armado, para refletir sobre a arquitetura e o significado de construções pelas cidades. Poderia estar aí exatamente o lado concreto da abstração capitalista? Segue abaixo o prólogo que abre a edição.
Por Anselm Jappe
O elemento instigador deste ensaio foi o desmoronamento do viaduto Morandi em Gênova, em agosto de 2018. Logo tive a convicção de que a causa desse desabamento, que muitos julgavam “incompreensível”, era o próprio fato de essa ponte ser de concreto armado — material com tempo de vida útil muito limitado. Tratava-se, portanto, de um caso exemplar da obsolescência programada, tão vital ao capitalismo. No entanto, ao me informar sobre os malefícios do concreto armado, tomei conhecimento das grandes queixas que já tinham sido formuladas contra o material, embora sua divulgação fosse bastante restrita. Consequentemente, parecia-me oportuno resumir essas críticas, no mais das vezes perdidas em considerações apenas técnicas.
Ao evocar o concreto, falamos inevitavelmente da arquitetura moderna — do século XX — e de seus protagonistas, mas também do funcionalismo e do urbanismo, e enfim da cidade contemporânea. Por outro lado, um certo número de discursos também trata das arquiteturas tradicionais e de seus contextos sociais. Em suma, a partir de um acontecimento particular, um vasto campo se abre para a reflexão (pelo menos para a minha), contanto que se tenha disposição para ver as múltiplas conexões entre as coisas ao invés das compartimentações entre os campos do saber. Não sou de modo algum um “especialista” em arquitetura. O que exponho aqui a eventuais leitores são considerações esparsas em torno desses temas, fruto de reflexões, leituras e conversas, umas recentes, outras que datam de várias décadas. Estas páginas, portanto, não têm a pretensão de ser sistemáticas nem de esgotar a questão. O tom, a perspectiva e o ponto de vista podem mudar de uma página a outra. Espero apenas que o leitor possa admitir que todas as minhas considerações voltem sempre ao tema de partida: a nocividade do concreto armado.
Pude transcrever nesta obra, quase sem modificações, ideias que eu tinha anotado — sem nenhuma intenção de publicá-las — há quase trinta anos. Nesse terreno, como também em outros, o tempo não conseguiu me comedir: a arquitetura do século XX suscita em mim a mesma repulsa que suscitava na adolescência. E digo isso de maneira muito pouco objetiva ou equilibrada, sem possuir diploma ou outras formas reconhecidas de competência, mas simplesmente com base em meus gostos subjetivo se espontâneos. Fiz breves excursões por diferentes disciplinas como história, história da arquitetura, história da arte, literatura, filosofia, sempre selecionando nessas fontes aquilo que servia a meu propósito. Espero que esta reflexão geral seja minimamente convincente aos leitores benevolentes, pois sei que os especialistas dos campos de conhecimento envolvidos encontrarão aqui muito o que recriminar.
Mas não sou o único a ter analisado essa temática. Para sustentar em parte meus argumentos, li muitos autores que mal ou nem sequer conhecia. Um deles representou uma verdadeira descoberta para mim: Bernard Rudofsky e suas observações sobre as arquiteturas tradicionais. É o autor de quem me sinto mais próximo quanto a esse tema.
Com relação à literatura já existente, e quase infinita, tratando da arquitetura, do habitat, do urbanismo e da cidade, este curto estudo não pretende ser original senão em três pontos: o foco na questão dos materiais; o recurso à arquitetura dita “vernacular” para julgar as construções modernas; o destaque dado ao isomorfismo entre o concreto e a lógica do valor mercantil.