Ensaio publicado em Pertencimento: uma cultura do lugar

 

Por toda a vida, procurei um lugar de pertencimento, um lugar para ser o meu lar. Fui criada em uma pequena cidade do Kentucky, então sabia desde pequena o que era um lar, como era estar em um. O lar era um lugar seguro, onde não haveria dor. Era um lugar para curar as feridas. O lar era o lugar onde eu tinha importância. O lar era o lugar que me fazia falta; não era onde eu morava. A primeira casa familiar de que me lembro, formada por blocos e chão de concreto, instalada no topo da colina, parecia nua em contraste com o exuberante pano de fundo de uma densa paisagem natural: árvores, trepadeiras de madressilvas, arbustos de amora e morangos silvestres faziam da casa de concreto uma invasora, uma força contrária à natureza, incapaz de assumir o controle sobre o mundo selvagem: a casa era imutável e a paisagem natural seguia em incontestável crescimento.

Na vastidão selvagem — o primeiro lugar onde vivi e entendi minha existência —, eu era a natureza, e ela era eu. A natureza foi minha melhor amiga de infância. Quando a vida dentro da casa de concreto ficava difícil e insustentável, sempre havia o “lá fora”. Sempre havia para mim um lugar na natureza.

Os adultos diziam e repetiam que devemos respeitar a natureza à nossa volta, entender o que pode ser amigo ou inimigo. Nossa tarefa era discernir, estar na natureza como parte dela, entender os limites do mundo natural e do corpo humano naquele cenário. A generosidade da natureza nos deu o prazer de caminhar por entre infindáveis plantações, o prazer de estourar na boca um tomate amarelo ou vermelho colhido diretamente do pé. Logo no começo da infância, vivenciei em primeira mão tudo o que o poeta Gerard Manley Hopkins evoca quando escreve que “a natureza nunca se esgota”, que dentro dela “vive tudo de mais fresco e genuíno”. Quando criança, acreditava que a natureza ao meu redor possuía seu próprio perfume especial e que, quando eu ficava do lado de fora por bastante tempo, esse aroma entrava em mim e me acompanhava até dentro de casa; era o odor de um mundo fecundo de crescimento indomável e sem limites.

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