A Elefante orgulhosamente se entende como uma editora de livros feminista. O que não quer dizer que somente publiquemos títulos que levem “feminismo” no nome ou livros escritos por mulheres, longe disso. Para nós, o feminismo e a luta das mulheres é uma chave de pensamento, uma lente a partir da qual passamos a olhar para todo o restante: das estratégias de sobrevivência anticapitalistas à pandemia global; do processo programado de expropriação de terras em nosso país à necropolítica do Estado que vitima pessoas negras. Há feminismo em tudo, porque pensar em alternativas verdadeiramente radicais de transformação passa necessariamente por pensar um mundo em que superemos a opressão das mulheres — e de todas elas.
Em nosso catálogo, é claro, com muita felicidade carregamos títulos que nos apresentaram diretamente os conceitos sobre os quais nos apoiamos para construir esse ponto de vista. Desde a publicação emblemática de Calibã e a bruxa, de Silvia Federici, na parceria com o Coletivo Sycorax, que nos abriu caminhos para um entendimento mais estrutural do patriarcado e sua conexão direta com o capitalismo, nosso objetivo é cada vez mais ampliar as visões, teorias, autoras, pensando em elaborações que fujam da Academia tradicional que, sabemos, é masculina, branca, hétera, europeia.
Assim, chegamos em bell hooks, que durante tanto tempo foi ostracizada por esse mesmo cânone por não ser “acadêmica o suficiente” em seu projeto pedagógico de falar sobre sexismo e racismo de maneira tão acessível; em Verónica Gago, hermana argentina e militante feminista que nos deu, junto de tantas outras, a alegria recente da descriminalização do aborto no país vizinho; em Keeanga-Yamahtta Taylor, representante da nova geração de uma tradição do pensamento político negro estadunidense, cuja produção teórica foi ou vem sendo pautada pela prática –- no seu caso, com o #BlackLivesMatter, movimento antirracista protagonizado significativamente por mulheres.
Nosso compromisso é o de continuar publicando livros que não somente falem do movimento organizado em sua formação, conceitos e desenvolvimentos, mas que contribuam para a pauta da libertação das mulheres em toda sua complexidade e abrangência. E que nos lembram, sempre, que nunca se trata somente de gênero, mas também de raça, sexualidade e classe — e de capitalismo.
Conheça alguns dos principais títulos:
A potência feminista, ou o desejo de transformar tudo
A realidade latino-americana obriga o feminismo a sair do binarismo vítima/algoz e a atravessar os conflitos enfiando transversalidade no “tremor simultâneo das camas, das casas e dos territórios”, explica Verónica Gago, sem deixar nada de fora, porque as lutas feministas atravessam tudo. É preciso reconceitualizar as violências machistas e politizá-las, para reconhecer seu horror e desarmá-lo. Quando encarado em sua dimensão de raça, de classe, plurinacional, antiextrativista, e ao ganhar as massas, como tem ocorrido na Argentina com as manifestações pela descriminalização do aborto, o feminismo se torna revolucionário — e aponta inequivocamente para o desejo de transformar tudo. Essa é a tese defendida por Verónica Gago neste livro, que dialoga com as ideias de Silvia Federici, Angela Davis, Nancy Frazer, Wendy Brown, Rosa Luxemburgo e Karl Marx, entre outras pensadoras e pensadores clássicos e contemporâneos. E defende a proposta da greve internacional feminista como instrumento revolucionário que visibiliza trabalhos e condições das mulheres invisibilizados historicamente pelo sistema.
Calibã e a bruxa
Neste clássico da Elefante, Silvia Federici retoma a tradição das acadêmicas feministas que desenvolveram um esquema interpretativo que lança bastante luz sobre duas questões históricas muito importantes: como explicar a execução de centenas de milhares de “bruxas” no começo da Era Moderna, e por que o surgimento do capitalismo coincide com essa guerra contra as mulheres. Mostra, assim, que a caça às bruxas buscou destruir o controle que as mulheres haviam exercido sobre sua própria função reprodutiva, e preparou o terreno para o desenvolvimento de um regime patriarcal mais opressor, além do o surgimento do capitalismo. A partir do método marxista de análise, Federici inscreve a caça às bruxas no contexto das crises demográfica e econômica europeias dos séculos XVI e XVII e das políticas de terra e trabalho da época mercantilista, mostrando, especialmente, a relação entre a caça às bruxas e o desenvolvimento contemporâneo de uma nova divisão sexual do trabalho que confinou as mulheres ao trabalho reprodutivo, e demonstra que a perseguição às bruxas — assim como o tráfico de escravos e os cercamentos — constituiu um aspecto central da acumulação e da formação do proletariado moderno, tanto na Europa como no Novo Mundo.
O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista
Nas palavras de Silvia Federici, o “ponto zero” é tanto um lugar de perda completa quanto de possibilidades, pois só quando todas posses e ilusões foram perdidas é que somos levados a encontrar, inventar, lutar por novas formas de vida e reprodução. Neste livro, ela reconstrói os caminhos do feminismo anticapitalista e anticolonialista — e sua própria trajetória como intelectual engajada —, desde os primeiros anos das mobilizações por salários para o trabalho doméstico, na década de 1970, até a batalha pelos “comuns”, reabilitada pelos movimentos sociais na virada do século. Como fio condutor destes quarenta anos de militância, surge a constatação, reiterada em diferentes momentos da história, do quanto o capitalismo necessita do trabalho não remunerado das mulheres para acumular valor e continuar existindo — à custa da natureza e das comunidades.
Tudo sobre o amor: novas perspectivas
O que é o amor, afinal? Será esta uma pergunta tão subjetiva, tão opaca? Para bell hooks, quando pulverizamos seu significado, ficamos cada vez mais distantes de entendê-lo. Neste livro, primeiro volume de sua Trilogia do Amor, a autora procura elucidar o que é, de fato, o amor, seja nas relações familiares, românticas e de amizade ou na vivência religiosa. Na contramão do pensamento corrente, que tantas vezes entende o amor como sinal de fraqueza e irracionalidade, bell hooks defende que o amor é mais do que um sentimento — é uma ação capaz de transformar o niilismo, a ganância e a obsessão pelo poder que dominam nossa cultura. É através da construção de uma ética amorosa que seremos capazes de edificar uma sociedade verdadeiramente igualitária, fundamentada na justiça e no compromisso com o bem-estar coletivo.
Erguer a voz: pensar como feminista, pensar como negra
“Enfrentar o medo de se manifestar e, com coragem, confrontar o poder, continua a ser uma agenda vital para todas as mulheres”, escreve bell hooks no prefácio à nova edição de Erguer a voz. Na infância, a autora foi ensinada que “responder”, “retrucar” significava atrever-se a discordar, ter opinião própria, falar de igual pra igual a uma figura de autoridade. Nesta coletânea de ensaios pessoais e teóricos, em que radicaliza criticamente a máxima de que “o pessoal é político”, bell hooks reflete sobre assuntos que marcam seu trabalho intelectual: racismo e feminismo, política e pedagogia, dominação e resistência. Em mais de vinte ensaios e uma entrevista, a autora mostra que transitar entre o silêncio e a fala é um gesto desafiador que cura, que possibilita uma nova vida e um novo crescimento ao oprimido, ao colonizado, ao explorado e a todos aqueles que permanecem e lutam lado a lado, rumo à libertação.
Olhares negros: raça e representação
Na coletânea de ensaios críticos reunidos em Olhares negros, bell hooks interroga narrativas e discute a respeito de formas alternativas de observar a negritude, a subjetividade das pessoas negras e a branquitude. Ela foca no espectador — em especial, no modo como a experiência da negritude e das pessoas negras surge na literatura, na música, na televisão e, sobretudo, no cinema —, e seu objetivo é criar uma intervenção radical na forma como nós falamos de raça e representação. Em suas palavras, “os ensaios de Olhares negros se destinam a desafiar e inquietar, a subverter e serem disruptivos”. Como podem atestar os estudantes, pesquisadores, ativistas, intelectuais e todos os outros leitores que se relacionaram com o livro desde sua primeira publicação, em 1992, é exatamente isso o que estes textos conseguem.
Anseios: raça, gênero e políticas culturais
Para bell hooks, a melhor crítica cultural não considera necessário separar a política do prazer da leitura. Anseios reúne alguns dos primeiros e clássicos textos de crítica cultural publicados pela autora nos anos 1980. Abordando temas como pedagogia, pós-modernismo e política, bell hooks examina uma série de artefatos culturais, dos filmes Faça a coisa certa, de Spike Lee, e Asas do desejo, de Wim Wenders, aos escritos de Zora Neale Hurston e Toni Morrison. Segundo a autora, focar a crítica em produções culturais abriu espaço para a educação voltada à consciência crítica, que poderia servir como uma pedagogia da libertação tanto na academia quanto na sociedade em geral. Ao contrário da teoria e da prática feministas — que, em última análise, exigiam comprometimento com a política feminista e uma ampla transformação na sociedade, percebida como perigosa e ameaçadora —, a crítica cultural permitia um discurso mais democrático. O resultado é uma coleção comovente de ensaios que, como toda a obra da autora, dedica-se sobretudo à transformação de estruturas opressoras de dominação.
Mulheres Livres: a luta pela emancipação feminina e a Guerra Civil Espanhola
Após uma longa e rigorosa pesquisa sobre as condições sociais e políticas que permitiram o surgimento de um movimento emancipatório de mulheres na Espanha revolucionária de 1936, Martha A. Ackelsberg narra os esforços da Federação Mulheres Livres para criar uma organização de alcance nacional constituída por e para as mulheres da classe trabalhadora, com o objetivo de prepará-las para ocupar seu lugar na revolução em curso e na nova sociedade que se avizinhava — e que, infelizmente, foi detida pelo avanço do fascismo. Nas palavras da autora: “Numa época em que pressões pela homogeneidade, pela conformidade e pelo retrocesso das transformações sociais parecem estar em ascendência, podemos, talvez, aprender com aquelas que defenderam a abertura para a mudança e para novos modelos de organização social, mesmo no contexto da guerra civil. Precisamos de toda a ajuda disponível.”
#VidasNegrasImportam e libertação negra
Em #VidasNegrasImportam e libertação negra, Keeanga-Yamahtta Taylor resgata e discute a história do movimento #BlackLivesMatter, surgido em 2014 em reação ao assassinato do jovem negro Michael Brown pela polícia de Ferguson, no estado do Missouri. Segundo a autora, o racismo nos Estados Unidos sempre foi o meio utilizado pelos homens brancos mais poderosos do país para justificarem seu governo, ganharem dinheiro e manterem o resto de nós à distância. Por essa razão, o racismo, o capitalismo e o domínio de classe sempre se entrelaçaram de tal maneira que é impossível imaginar um sem o outro.
Imagem do post: intervenção da coletiva feminista e anarquista boliviana Mujeres Creando.