Um grande acordo nacional

Do precipício bolsonarista, Robson Vilalba olha atônito, escreve em formato de relato e desenha indignado o thriller de terror que engolfou o Brasil em 2016 e parece seguir, em tombos diários, rumo ao fundo do poço.

Por Breno Castro Alves
@trocavales
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A história começa com um feio céu de inverno curitibano, chove no fim da tarde desse 8 de agosto de 2016 em que Dilma Rousseff tenta mobilizar suas bases em grande evento na capital paranaense. São os últimos movimentos de seu mandato condenado. Mas Robson Vilalba pensa que ainda pode fazer alguma coisa a respeito, talvez colaborar. Leva um trunfo na manga, jornalismo em quadrinhos, o otimista, e se mete na multidão atrás da presidenta.

Assim tem início Um grande acordo nacional, não o próprio, mas o livro, que será lançado pela Elefante em junho. Com os sapatos molhados pela chuva curitibana, o autor se esgueira ombro a ombro entre muitos sem-credencial, aqueles que ficarão de fora. Ele precisa entrar, tem uma pergunta a fazer, uma pergunta quiçá tão inteligente e provocadora que obrigará resposta, que fará Dilma pensar, e assim ele poderá contribuir, quem sabe.

Mas a verdade é que sua participação em primeira pessoa na obra é bem menor do que este texto deu a entender até aqui. É apenas o tempero, a graça de ver o repórter que orbita o poder, e esse, o poder, sim, é o que realmente importa para Vilalba, ilustrador e sociólogo, há anos produzindo jornalismo em quadrinhos sobre política brasileira.

É nosso prazer colocar em sua mesa este Um grande acordo nacional, obra que ilustra a queda da presidenta, expondo as etapas fundamentais do processo que encerrou o segundo mandato da última chefe de Estado popular deste país – que, muitos dirão, termina com as portas abertas para a extrema direita que ocupa o Executivo.

Vilalba também escreveu e desenhou Pátria Armada Brasil, sobre os cinquenta anos do golpe civil-militar no país, livro vencedor do Prêmio Vladimir Herzog em 2015, um dos principais do jornalismo brasileiro. Há outros prêmios que poderiam ser citados, para os leitores que se importam com títulos.

No lugar disso, abriremos o perfil @vilalba_illustration, no qual o autor, também ilustrador e animador, organiza parte de sua produção imagética. Experimenta com diversas técnicas – praticamente todo desenho tem seu estilo próprio, passeando por cores de sonho muito diferentes do pesado livro de que falamos. Vejam esta:

Um grande acordo nacional é pesado. O livro utiliza diversas técnicas em preto e branco, como a retícula, que confere ao trabalho certo ar de jornal antigo. E assim remonta fielmente a cadeia de eventos e personagens que levou ao mais recente golpe.

A imprensa é uma personagem importante na história, Vilalba desenha a bocarra de Arnaldo Jabor pedindo repressão na televisão, resgata as capas de FolhaEstadoO Globo e outros, todos embarcando felizes na aventura autoritária – aventura em que até o PT embarcou.

Essa disputa narrativa deflagrada é o cenário no qual Aécio contesta, desde o primeiro dia, a legitimidade do segundo mandato de Dilma. O mesmo mineiro que é justamente referido por Gabriel Rocha Gaspar, na orelha do livro, como playboy-dono-da-bola, foi ator fundamental na desestabilização do país.

Corta para Eduardo Cunha, então presidente da Câmara e artífice do processo de impeachment. Com o poder de definir a pauta das votações e em conflito deflagrado com Dilma, proclamou independência da Câmara sob seu comando, rompendo o acordo em que PT e PMDB dividiam o comando do Congresso.

Apoiado principalmente pelos deputados do baixo clero, que, como ele, antagonizavam a presidenta, tudo o que Cunha precisava era uma peça jurídica mais sólida para levar seu plano adiante. E Janaína Paschoal a entregou.

Aquela, do surto acerca da república da cobra. Aquela, que, contratada pelo PSDB para redigir o pedido de impeachment, bateu de porta em porta em busca de apoio – e encontrou, primeiro em Hélio Bicudo, jurista, depois em Eduardo Cunha, entre muitos. E abriu caminho. “Ao PT restava o golpe.”

Porém, não pense que Um grande acordo nacional poupa o Partido dos Trabalhadores, que “soube muito bem usar esse fato político. Dali em diante, tudo que pudesse macular sua imagem, as leis criadas no governo Dilma com intuito de limitar protestos sociais, o início da agenda neoliberal de austeridade, a passividade perante onda de extrema direita, tudo que pudesse expor as contradições do partido seria acusado por eles de golpista”.

Que saudades dos tempos em que as contradições petistas eram nossas maiores preocupações.

Em 2016, naquela noite chuvosa de Curitiba em que começamos este texto, Vilalba de crachá falso e meias encharcadas, face a face com Dilma, finalmente, encontra seu desfecho – que, claro, não será revelado aqui.

Um grande acordo nacional desenha quais membros da direita e extrema direita quebraram a tal aliança de classes e abriram fogo contra a presidenta de esquerda, que derrubariam, ainda que custasse a República.

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