Este é o texto mais triste que já enviamos a nossos leitores e leitoras. Na quarta-feira, 14 de novembro, Havana anunciou que, até o final do ano, retirará do Brasil os profissionais de saúde cubanos que trabalham no Programa Mais Médicos, lançado em 2013.
A decisão foi tomada após declarações do presidente eleito, Jair Bolsonaro, que decidiu impor condições à permanência dos médicos cubanos no país: revalidar seus diplomas, ter o direito de trazer as famílias e receber integralmente seus salários, ao invés de destiná-los majoritariamente ao governo da ilha.
As mudanças ferem o acordo assinado entre Brasil, Cuba e a Organização Pan-Americana de Saúde, que desde o início do Mais Médicos trouxe profissionais cubanos para atender as pessoas mais carentes do país, nos rincões mais desassistidos de nosso território, onde os médicos brasileiros não querem estar.
O anúncio de Havana culmina uma experiência humanista inédita por aqui, que, apesar de todos os seus aspectos positivos, enfrentou a resistência das elites políticas e econômicas brasileiras desde o começo. Basta lembrar da intensa campanha das entidades médicas contra o programa, e da vergonhosa recepção que os doutores cubanos receberam nos aeroportos.
As redes sociais fervilharam com mentiras de todo tipo: desde denúncias de que o PT estava trazendo guerrilheiros cubanos disfarçados de médicos para dar início a uma revolução comunista, até preocupações hipócritas sobre a exploração dos doutores pela horrenda ditadura castrista — “são escravos”, dizia-se, enquanto fechava-se os olhos para a escravidão que realmente acontece em oficinas de costura, canteiros de obras e fazendas do país.
Em meados de 2017, quando o Mais Médicos completava quatro anos, publicamos Branco vivo, de Antonio Lino, escritor que havia pegado a estrada para conferir os brasis, os brasileiros e as brasilidades encontrados pelos profissionais contratados pelo programa. O livro é resultado de seu olhar aguçado para nove localidades desse gigantesco território, complementado pelas fotografias do renomado intérprete do Brasil, Araquém Alcântara.
Na época, consideramos Branco vivo “uma ode à humanidade em tempos sombrios”. Só não podíamos imaginar que as sombras assumiriam formas tão nefastas, a ponto de, agora, impedirem a presença dos profissionais que viabilizaram o programa no Brasil — já que, sem os cubanos, o Mais Médicos dificilmente teria decolado.
Diante da conjuntura, é com muito pesar que disponibilizamos o pdf de Branco vivo para que as crônicas de Antonio Lino — finalistas do Prêmio Jabuti 2018 — possam chegar a quem deseja conhecê-las, seja pelas telas de celulares, computadores ou tablets, ou por xerox e impressões.
Não, o livro não está esgotado. Continua à venda — e continua lindíssimo. Mas acreditamos que facilitar o acesso à obra, neste momento, é um imperativo ético e político contra o avanço do ódio, além de uma maneira de agradecer o trabalho de profissionais que deixam casa e família para colocar um estetoscópio no peito dos moradores dos maiores cafundós do mundo.