
Pappe: Reconstruir Gaza a partir dos palestinos, não num show capitalista
Ilan Pappe foi confirmado como uma das principais atrações da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que acontece entre 30 de julho e 3 de agosto. Para essa vinda ao Brasil, já temos em nosso catálogo Brevíssima história do conflito Israel-Palestina, recém-lançado, e A maior prisão do mundo, em pré-venda com desconto no nosso site. Nos próximos meses iremos publicar mais obras deste autor essencial na denúncia do genocídio na Palestina e do papel nocivo de Israel para o mundo.
Aqui no nosso blog temos trazido uma série de conteúdos relacionados às ideias de Pappe. A orelha de Brevíssima…; uma entrevista em que trata da indiferença europeia em relação à Palestina; um artigo sobre o silêncio ocidental diante de Gaza; um trecho da introdução de A maior prisão…; além de outros textos a respeito do tema publicados nas últimas semanas.
Segue abaixo uma reportagem da Agência Anadolu onde Ilan Pappe fala sobre a influência dos EUA em Gaza, as intenções de Israel, os desafios palestinos e o futuro possível para a região.
por Ebad Ahmed
publicado em Agência Anadolu
O historiador israelense Ilan Pappe tem sido uma das principais vozes a favor da descolonização palestina. Agora [reportagem publicada no início de março de 2025], desde que o presidente dos EUA, Donald Trump, propôs pela primeira vez despovoar a Faixa de Gaza para reconstruí-la após meses de ataques israelenses, Pappe também tem sido um oponente ferrenho do plano.
“Temos que garantir que isso (a reconstrução de Gaza) não seja um espetáculo americano. Não seja um espetáculo capitalista. É parte de um projeto de descolonização liderado pelos palestinos”, disse Pappe em entrevista à Anadolu.
“Os Estados Unidos e suas corporações multinacionais querem fazer parte disso porque querem lucrar, infelizmente. Não se trata apenas de um desejo humanitário de ajudar a reconstruir Gaza.”
De acordo com Pappe, a ausência de um movimento nacional palestino unificado significa que “os palestinos precisam ter muito cuidado para que todo esse projeto de reconstrução não seja feito de uma forma que beneficie os reconstrutores, em vez das vítimas do genocídio”.
Embora reconheça a importância da ajuda humanitária, ele enfatiza que a reconstrução deve ir além disso — deve ser política. Isso significa maior unidade na causa palestina e mais apoio do mundo muçulmano e do Sul Global, “principalmente em termos políticos, não apenas econômicos”, afirmou. Ele também pediu que as sociedades civis do Norte Global fossem além de gestos simbólicos e pressionassem seus governos a implementar mudanças políticas reais.
Colapso sionista | Pappe acredita que a descolonização na Palestina já começou, mas Israel está fazendo tudo ao seu alcance – e sem “nenhuma inibição” – para impedi-la.
“Uma das ideias deles é que, para evitar o colapso do projeto sionista, Israel precisa ser uma potência regional. Não basta controlar a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. Israel terá que controlar também partes do oeste da Síria e o sul do Líbano”, disse ele.
“Tem que ser considerado uma potência regional temível, de modo que todos queiram ser seus aliados, seja por medo ou por interesse. Não acho que vá funcionar, mas, no caminho, isso pode levar a muita carnificina e destruição.”
Dois estados? | Para Pappe, a ideia de uma solução de dois Estados é “um cadáver” e não é mais viável. “A realidade no terreno torna isso impossível”, disse ele, acrescentando que nenhuma potência global, sejam os EUA, a Europa, a ONU, a Rússia, a China ou a Índia, pode mudar isso.
Ele argumenta que o reconhecimento internacional da Palestina não deve ser confundido com um caminho genuíno para a criação de um Estado. “O que esses reconhecimentos significam é que, ao contrário do desejo israelense de aniquilar completamente a Palestina como ideia e o povo palestino, a Palestina ainda está lá no nível de reconhecimento. Mas não é um reconhecimento de algo real em termos de um estado.”
Segundo Pappe, o mundo agora enfrenta apenas duas possibilidades: “A continuação do estado de apartheid que temos hoje, ou sua substituição por um estado democrático”.
Embora reconheça que pode haver variações de uma solução de um Estado, ele afirma que a maioria dos proponentes do modelo de dois Estados se apega a ele por “inércia” política, mas, eventualmente, “terão que aceitar a ideia de que a solução de dois Estados está morta”.
Palestina unificada | Pappe também destacou a falta de coesão no movimento nacional palestino. “Atualmente, o movimento nacional palestino está desorganizado. Está desunido. Está fragmentado. Não tem órgãos representativos adequados e funcionais”, disse ele.
Ele argumenta que, sem um movimento nacional unificado agora, os esforços de solidariedade internacional terão dificuldade em se traduzir em mudanças reais. “Eles estão enviando o máximo de ajuda possível para a população de Gaza e de outras partes da Palestina, mas não podem apoiar um programa político porque não há programa político.”
No entanto, ele continua esperançoso de que a geração mais jovem palestina se disponha a preencher essa lacuna.
“Sei que há muitas iniciativas entre a geração mais jovem, então temos que ter esperança de que algumas delas amadureçam em breve e reorganizem o movimento nacional palestino, criando um corpo representativo unido e democrático, para que o movimento de solidariedade possa esgotar o potencial demonstrado e torná-lo uma força transformadora no local.”
Outro acontecimento importante que pode moldar o futuro, disse ele, é a crescente desilusão com o sionismo entre os jovens judeus, inclusive nos EUA. “Há uma mudança muito significativa entre os jovens judeus, incluindo os jovens judeus na América, que se veem não apenas como pessoas que não são mais definidas pelo sionismo, mas, na verdade, muitos deles acreditam que têm o dever de fazer parte do movimento de solidariedade com os palestinos”.